sexta-feira, 30 de maio de 2008

Os Crimes da Mídia (o caso menina Isabella)

Esta semana volta à cena o caso da menina Isabella Nardoni, em função de novas conclusões periciais feitas pelo médico legista, George Sanguinetti, contratado pela defesa do casal. Sanguinetti faz contestações incisivas sobre o laudo apresentado pela polícia, chegando a classificar de medíocre o trabalho dos legistas de São Paulo (o que me parece óbvio. Por acaso a defesa contrataria os serviços de um profissional que confirmaria a versão da acusação?). De qualquer forma, este é um direito do casal. Sanguinetti levanta a possibilidade de Isabella ter sido sexualmente molestada, antes de ser atirada pela janela. Acredito que a estratégia seja reforçar a hipótese de um terceiro adulto, presente no apartamento. A mídia tem dado muito destaque a este caso, mas violência contra criança é bem mais comum do que se imagina. O pediatra Lauro Monteiro Filho, fundador da Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência) e editor do Observatório da Infância, em entrevista ao programa Mais Você [1], contou que durante a sua carreira encontrou vários casos similares ao de Isabella.

O médico relatou a história de um menino de 4 anos, William, que chegou à emergência em estado grave e não resistiu. A mãe adotiva, debruçada sobre o corpo da criança, perguntava “quem fez isso?”. Mais tarde, os médicos descobriram que foi a própria mãe quem matou a criança, depois de várias torturas. O exame no corpo de William revelou queimaduras de cigarro, marcas de torção do braço, vários hematomas e uma fratura no crânio que levou à morte. É bastante alto o índice de crianças que são maltratadas, torturadas ou assassinadas. Mas os pais não sabem explicar, mentem ou dão desculpas esfarrapadas como “caiu da escada”, quando os autores das agressões são eles próprios.
O fascinante Contardo Calligari, psicanalista e colunista da Folha, em entrevista à Marília Gabriela, deu outros exemplos: uma menina que tocava suas partes íntimas (numa espécie de masturbação) foi forçada pelo pai a sentar em soda cáustica, como castigo. Um menino teve sua mão queimada em uma forma pela própria mãe, porque queria pegar um bolo que ainda não estava pronto. E por aí vai. Estes casos bárbaros, quando explorados pela mídia, geram comoção nacional.

A comoção é legítima e espontânea, a mídia não tem o poder de compelir as pessoas a se revoltarem. Qual ser humano não fica estarrecido com a cena de uma menina de 5 anos sendo arremessada de uma janela do 6º andar?
Mas, em relação a isso é preciso fazer duas ressalvas. Primeiro: a vontade de linchar os suspeitos é condenável e criminosa. Segundo: a reação popular tem, sem dúvida, um componente de comoção e solidariedade, mas arrisco dizer que estes não são predominantes. O Jornal Hoje convidou uma socióloga que descreveu a reação da audiência como “luto coletivo”. O irônico foi que, na matéria que antecedeu sua explicação, apareceu um rapaz tirando fotos da delegacia em que o casal Nardoni faria o depoimento, porque queria “levar como recordação”. O que há de luto coletivo nisso? O Fantástico fez uma reportagem que mostrou vendedores ambulantes, anunciantes de serviços e muita gente tentando aparecer às câmeras, na frente da delegacia. O que há é oportunismo, uma curiosidade mórbida de conhecer detalhes da tragédia alheia e uma necessidade macabra de fazer justiça com as próprias mãos.

A mídia estimula estas práticas. Por exemplo, qual a necessidade de colocar vários repórteres fazendo plantão na frente da casa dos parentes do casal? Reportagem da Folha mostra que, com a cobertura da morte da menina Isabella, a audiência dos telejornais cresceu até 46% na primeira quinzena de abril [2]. E não é raro encontrar momentos de precipitação e prejulgamento. Aí o problema ganha uma dimensão ainda mais grave. Para todos os efeitos, este casal ainda não foi condenado. Nessas horas é impossível não lembrar o caso Escola Base, em que educadores foram acusados de abusar sexualmente de alunos e receberam um tratamento nada equilibrado por parte dos veículos de comunicação. Quando descobriram a inocência dos acusados, a escola já estava depredada, os donos haviam falido e eram ameaçados de morte. Isto É, O Estado de SP, Folha e Globo foram condenados a pagar indenizações [3] [4] [5] No caso Escola Base, os acusados eram inocentes. No caso da Isabella, ainda está sendo apurado. E nos próximos? Em se tratando do caráter e da inocência dos outros, cautela nunca é demais. Até quando a mídia vai jogar com as vidas das pessoas neste vale tudo por audiência?

Links:

[1]http://maisvoce.globo.com/Portal/maisvoce/pops/tvg_maisvoce_multimateria_pop_imprimir/1,,10345-10345-481946,00.html

[2]http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u393376.shtml
[3]http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2005/08/11/imprensa6201.shtml
[4]http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2005/09/16/imprensa6362.shtml

[5]http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2008/05/28/imprensa19685.shtml


6 comentários:

  1. A midia faz tempo confunde ou faz de conta que liberdade de imprensa e lbertinagem de imprensa é a mesma coisa. Ainda bem que a net veio para ajudar a sociedade, mostrando os abusos cometidos pela grande midia(?).

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  2. Obrigado pela visita. Agora adicionei vc nos mesu links.
    Grande abraço, o teu blog é muito bom, o problema é que vc escreve muito.

    abrço,js

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  3. JS, sabe que isso também me incomoda? Eu sempre tento escrever menos. Deste texto por exemplo, eu tirei um parágrafo inteiro. Mas não adianta, sempre fica grande. Vou me esforçar mais nas próximas vezes.
    Abraço

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  4. Escrever muito não é problema quando se escreve bem (a não ser quando o texto tem espaço pra ser publicado em algum impresso ou tem que seguir uma limitação acadêmica).

    Além do mais, vc sabe ser direto qdo quer:

    "O que há é oportunismo, uma curiosidade mórbida de conhecer detalhes da tragédia alheia e uma necessidade macabra de fazer justiça com as próprias mãos."

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  5. Sim, realmente é absurdo o modo como a mídia tratou e trata constantemente casos polêmicos. A forma de abordagem é totalmente parcial, longe do conceito imparcial que teoricamente deveria ter. Mas o fato é que isso nunca vai mudar, audiência= dinheiro, então...

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  6. Valeu pela moral, Igor. hehehe ;-P


    Pois é, Gui. Em certos momentos a tônica da mídia parece ser bem essa mesmo...

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