sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Punição pra quem?

Este país carece de Justiça. Creio não ser difícil constatar que, no Brasil, cidadãos pobres sofrem todo tipo de abuso por parte da Justiça, enquanto os mais ricos escapam como sabonete. Pobres dificilmente conseguem uma boa defesa; muitas vezes continuam detidos, cumprindo pena, sem terem sido julgados; frequentemente em condições sub-humanas. Os ricos têm advogados para achar uma brecha na lei e adiar ou evitar a condenação, mesmo quando merecida. Para o presidente da Suprema Corte brasileira, no entanto, há “demagogia dos que afirmam que há diferença de tratamento por parte da Justiça entre os acusados pobres e ricos”. Segundo o ministro, “a dificuldade em relação aos pobres está localizada na defensoria pública que sofre com a carência de profissionais”.


A mídia (sempre ela!) poderia desempenhar um papel fundamental na cobrança de uma Justiça socialmente democrática. A mídia brasileira está, de uns tempos para cá, especialmente engajada em denunciar os abusos do poder público, cobrando integridade e expondo aqueles políticos com conduta suspeita. Peguemos, como exemplo, o caso do Mensalão. Qual será o discurso da mídia, se os acusados, notadamente o ex-ministro José Dirceu, forem absolvidos? Ninguém duvida, a palavra da vez será “impunidade”. É um caso simbólico do nobre engajamento da mídia na vida pública. Já no caso do magnata das telecomunicações, Daniel Dantas, a mídia teria a oportunidade de contribuir na busca de uma Justiça mais democrática do ponto de vista social. Não é comum, no nosso país, vermos alguém tão rico responder por seus crimes. É claro que a mídia não faria o julgamento, mas poderia fomentar um debate, uma reflexão, divulgando a todos os cidadãos os graves crimes do banqueiro, pressionando as autoridades jurídicas para que apliquem as devidas punições. A mídia não faz isso. Ao contrário, a mídia tangiversa. Por que os meios de comunicação trabalham fortemente pela punição de uns e negligenciam os crimes de outros?

O delegado responsável pela operação que investiga Dantas afirma que o banqueiro tem contatos em importantes veículos de comunicação, encomenda matérias levianas para atingir desafetos políticos, já foi alertado por jornalistas sobre investigações que o perseguiam, tem grandes esquemas na Imprensa para beneficiar seus negócios etc. Será por isso que Dantas é “poupado” pela mídia? Quando o delegado responsável pela investigação de Dantas, Protógenes Queiroz, participou do programa Roda Viva, teve seu trabalho duramente questionado pelos jornalistas. Fernando Rodrigues, da UOL, disse que o delegado não poderia lançar suspeitas sobre jornalistas, assim, genericamente, sem dizer nomes e apresentar provas. Pois, ao fazer isso, o delegado acaba prejudicando toda a categoria dos profissionais da mídia, e isso não seria justo. Neste momento, eu pensei nas inúmeras vezes em que a mídia acusa pessoas, exatamente assim, genericamente! Especialmente políticos. Especialmente de grupos que não lhe agradam. Eles podem fazer com os outros, mas ninguém pode fazer com eles! Já faz parte da praxe midiática mostrar sempre o lado podre da política, afastando o cidadão comum da vida pública e nivelando por baixo o trabalho político.

Inúmeras denúncias da mídia são baseadas em reportagens “em off”, sem fonte, sem prova, sem sequer a apresentação das origens das informações. Tantas reportagens exibem a mera troca de acusações entre adversários, expondo o partido apenas quando é conveniente. Não vou entrar no mérito da cassação política do deputado José Dirceu, mas ela se deu, fundamentalmente, pela pressão popular e da mídia. Já no caso de Dantas, a equipe de um delegado federal especializado em crimes financeiros produziu longos relatórios, reunindo fartas provas contra o banqueiro. A partir deste material, o juiz federal Fausto De Sanctis já condenou Dantas a 10 anos de prisão, mais pagamento de multa no valor de R$ 1.425.525,00. Ainda assim a mídia é omissa, ignora até mesmo o fato de o banqueiro estar à frente de empresas de telecomunicação que foram as responsáveis pelo dinheiro do Mensalão. Sim, aquele mesmo caso que tanto interessou à mídia, e que teve cobertura implacável nos jornais, ainda que com poucas provas irrefutáveis, conclusões técnicas ou sentenças judiciais. Para ser mais concreto, as principais fontes dos recursos para acordos partidários do chamado Mensalão são as empresas de telefonia celular Telemig e Amazônia Telecom. Ambas são de propriedade da Brasil Telecom, que é dirigida por Dantas, por meio do seu banco, o Opportunity.

Este esquema de desvio de recursos, operado pelo empresário Marcos Valério, foi utilizado pelo PT, mas teve origem em Minas Gerais, na campanha de Eduardo Azeredo, do PSDB. A mídia não apenas passou ao largo de tudo isso, como se voltou contra os agentes federais que incriminaram o banqueiro. Enquanto o Mensalão rendeu diversas, longas matérias, durante meses; a prisão de Dantas recebe tratamento superficial e reticente por parte dos veículos de comunicação. O próprio Kennedy Alencar, colunista da Folha de São Paulo e entrevistador do programa É Notícia, da Rede TV, ao receber o Ministro da Justiça, Tarso Genro, apontou sobre a operação Satiagraha: “não houve aí um desvio do foco? Ou seja, (a investigação) ficou muito no Protógenes e o Daniel Dantas ficou ali meio protegido [...]” O Ministro da Justiça apropriadamente rebateu: "Quem deu foco para o Protógenes foi a Imprensa, não fomos nós! A investigação do Protógenes é uma investigação normal. Tem centenas dentro da Polícia Federal que são realizadas". Este momento da entrevista ilustra a inegável inversão de valores que poupa Dantas, mas investe contra seus investigadores: a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e o delegado Protógenes Queiroz, que esteve à frente da Satiagraha.

O delegado Protógenes não está acima do bem e do mal, o seu trabalho é passível de questionamentos, e nem toda crítica a ele é descabida. O jornalista Fernando Rodrigues, por exemplo, também aponta de maneira legitima contradições no relatório produzido por Protógenes. Via de regra, a abordagem da mídia de massa em relação ao delegado é contaminada por suspeitas, resistências ou até críticas mais diretas. Entretanto, há muito sentido nos posicionamentos de Protógenes, sobretudo porque procuram chamar a Imprensa a sua responsabilidade. O juiz federal Fausto De Sanctis, também em entrevista ao programa É Notícia, ao referir-se a uma jornalista da Folha que publicou informações sigilosas de uma investigação federal sobre Dantas, afirmou: “A lei diz que é crime quebrar o segredo de Justiça [...] Ninguém está acima da lei. [...] Eu prestigio e acredito no papel da Imprensa. O papel da Imprensa é um serviço público, não é um serviço privado, tanto é que é regulado. Nenhum direito é ilimitado. A partir da publicação desta jornalista, [...] o procedimento (da polícia) correu um risco enorme de não acontecer. [...] O “furo” (jornalístico) não pode ser o mais importante.

Para Kennedy Alencar, no entanto, “não cabe à jornalista guardar segredo de Justiça. Ela fez o papel dela ao divulgar uma informação “relevante”. É notícia.” Depois o jornalista insinua que o posicionamento do juiz implicaria “cerceamento” da Imprensa. Particularmente, acho isso um absurdo. Compromisso ético e público cabe a qualquer profissional, inclusive aos jornalistas. Não é porque alguém da polícia, com ou sem intenção, vazou um material sigiloso para o jornalista, que este tem o direito de publicar. Jornalista, como bem esclareceu De Sanctis, não está acima da lei e tem que responder pelos seus atos. A liberdade de Imprensa não pode servir como álibi para infrações da lei. Nenhum profissional dos grandes meios de comunicação reconhece isso. Dantas é poupado pela mídia, não apenas porque tem esquemas com jornalistas, mas porque – neste aspecto – há um forte corporativismo. Protógenes, para alcançar Dantas, mexeu em um vespeiro, e não poderia receber outra coisa da mídia que não um bombardeio. A Imprensa, para se preservar, precisou poupar o banqueiro e inverter o jogo, colocar na berlinda as autoridades de investigação e o próprio Estado. Nada disso é necessariamente combinado, mas é sentido e articulado pelos senhores da mídia. À audiência, chega um discurso artificial, bem acabado e, principalmente, em perfeita sincronia.

3 comentários:

  1. Infelizmente, só é preso e punido, no Brasil, ladrão de galinha. O pior é que não vejo luz alguma no fim do túnel para uma solução para isso, já que vivemos neste contexto que caminha junto com a atemporalidade.
    Com relação à mídia, concordo que ela poderia fazer, sim, e muito; o problema é que a mesma também é comprada, e sabemos bem por quem.

    Ótimo texto, Ruan! Acho que meu último post, "SANS-CULOTTE ATEMPORAL", tem a ver com o teu.

    Dá uma olhada: http://bl-dopedro.blogspot.com/

    Abraço! =)

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  2. gente, tentando comentar again.. 66

    tinha esquecido de como esse blog é bom! favoritei e vou ler aqui sempre agora :) GOOOOOO RUAN!

    e propagandando:
    http://americanidolbrasil.blogspot.com

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  3. Realmente, Ruan. É preciso acabar com o álibi da "liberdade de imprensa". Em qualquer situação de perigo, seja sobre um jornalista ou sobre um meio de comunicação, ela está sempre presente. É algo como usar o "jeitinho brasileiro" para se dar bem em qualquer situação. Seja ela algo legal ou não, perante a lei.

    Parabéns pelo texto.

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