sábado, 5 de julho de 2008

Infanticídio anunciado (os bebês da Santa Casa)

No período de aproximadamente duas semana, morreram 32 recém-nascidos na Santa Casa da Misericórdia de Belém. Os bebês estavam na UTI neonatal da instituição, e as causas das mortes incluem infecção bacteriana e falta de oxigênio no cérebro. Em nota, a direção do hospital negou a hipótese de erros médicos ou problemas de estrutura na unidade e afirmou que o número de óbitos estava de acordo com a taxa aceita pela Organização Mundial de Saúde. O Governo do Pará, que administra a Santa Casa, atribuiu as mortes a uma concentração incomum de casos graves, como bebês prematuros e portadores de doenças congênitas [1]. Há uma semana (dia 28), o presidente da Santa Casa, Antônio Anselmo Bentes de Oliveira, entregou o cargo e foi substituído provisoriamente por Silvia Comaru, coordenadora da comissão multiprofissional que investigará as mortes das crianças. Segundo o Blog do Barata [2], Anselmo declarou ter advertido sobre os perigos embutidos nas precárias condições de trabalho na Santa Casa e comprometeu a Secretária de Saúde do Pará, Laura Rossetti.

Um pacto maldito

Em 2004, a Dra. Rossetti foi candidata a vereadora em Belém pelo PMDB, mas não ficou nem entre os 180 mais votados [3]. Em 2007, a médica foi uma das homenageadas pelo PMDB Mulher estadual, durante a Semana Internacional da Mulher. A homenagem foi registrada no Blog de Elcione Barbalho [4]. Elcione é ex-mulher de Jáder Barbalho, perdeu por muito pouco o cargo de Senadora em 2002, foi a vereadora mais votada de Belém em 2004, depois foi eleita deputada federal em 2006, novamente como uma das mais votadas. Neste último pleito, o ex-marido ficou em primeiro lugar. Antes de Laura, o Secretário de Saúde foi Halmélio Sobral, afiliado político de José Priante. Priante é primo de Jáder, deputado federal e candidato derrotado ao Governo do Pará em 2006. Legenda: PMDB. Foi aí que tudo começou.

Para derrotar os 12 anos de Governo tucano no Pará, PT e PMDB decidiram unir forças. Ana Júlia e Priante adotaram posturas bastante agressivas contra o PSDB. Muitos acreditam que o apoio do partido de Jáder foi determinante para a vitória petista no segundo turno. O preço deste pacto foram cargos importantes no Governo do Estado, dentre eles, os postos de chefia na Saúde. Não apenas a Secretaria, várias diretorias de Hospitais Regionais também. Via de regra, os hospitais estaduais estão comprando material hospitalar de firmas dirigidas por aliados PMDBistas. Na iminência das eleições municipais, os correligionários lançam mão de todo tipo de recurso para financiar a campanha. Enquanto isso, em muitos hospitais faltam materiais básicos para atendimento aos pacientes. Políticos profissionais estão parasitando a máquina pública, justamente em uma área tão importante para a população.

O Pará na mídia

Com este escândalo na Saúde, mais uma vez, o Pará é exposto para o resto do Brasil como o fim do mundo, a própria barbárie. Ultimamente, o Pará só é manchete nacional quando acontece algo grotesco, bestial. O caso da missionária Dorothy Stang, assassinada por se envolver em conflitos de terra; a menina de 15 anos presa em uma cela com vários homens; o engenheiro da Eletrobrás sendo agredido com facão por um índio, denúncias de trabalho escravo em pleno 2008 etc. Todos estes casos foram citados na mídia, mas nenhum foi devidamente aprofundado. Em nenhum momento as causas estruturais dos problemas vêm à tona. Agora, neste caso dos 32 natimortos da Santa Casa, novamente, a mídia provoca escândalo, mas não provoca reflexão. Esta tem sido a praxe do jornalismo de massa.

Seria extremamente válido se toda esta exposição servisse para análise crítica de um cenário mais amplo, que pudesse levar a mudanças reais. Mas a mídia não exerce este papel. A cobertura é sempre superficial, descartável. Há um efeito positivo, no sentido de que a simples veiculação pressiona o poder público a tomar providências. Mas as providências são paliativas, já que a cobertura é efêmera. O efeito negativo é maior: o Pará é estereotipado. Um estado que nunca foi devidamente mostrado, torna-se o celeiro da toda sorte de selvageria. E se, neste quesito, os veículos de comunicação nacionais são ruins, os regionais são muito piores. TV Cultura, Jornal Pessoal (Lúcio Flávio Pinto) são as honrosas exceções, que ensinam o que é jornalismo. Políticos parasitas e uma mídia vendida custam caro, o preço quem paga é a população.

PS: Estou viajando, por isso devo demorar mais que o normal para atualizar as postagens. A formatação do texto também deve mudar, já que o Blog não costuma aceitar muito bem quando posto alguma coisa em algum computador que não seja o do meu quarto. Espero que vocês possam ler sem maiores problemas. Qualquer coisa, dêem o toque nos comentários. Valeu!


[1] http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u417366.shtml
[2] http://blogdobarata.jor.br/2008/07/santa-casa-anselmo-quebra-o-silncio-e.html
[3] http://eleicoes.folha.uol.com.br/folha/especial/2004/eleicoes/04278v-2.html
[4] http://elcione.blogspot.com/2007/03/homenagem-s-mulheres-na-conveno-do-pmdb.html

2 comentários:

  1. Mais uma vez você escreveu um ótimo artigo sobre a conjuntura política da saúde do Pará. Só esqueceu de contar que o governo do PT não deixa de ter total responsabilidade no problema.

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  2. Eu como pediatra vejo com pesar este acontecimento. Muitas vezes não é o que parece...Vou explicar...
    Não sabemos ainda, ao certo, o que realmente causou (causa direta) as mortes destes recém-nascidos. O que sei é que, muitas vezes, o hospital em questão pode ficar mal visto e com um ar negligente... Entretanto, o que vejo (por experiência própria) é um total desinteresse político pela saúde pública... Num dos hospitais onde trabalho, temos solicitado incansavelmente novos oxímetros(aparelhos que medem oxigenação sanguínea), balanças, bombas de infusão e, até mesmo, respiradores e NADA DE RESPOSTA... SIMPLESMENTE AS AUTORIDADES CRUZAM OS BRAÇOS E NÃO FAZEM NADA ATÉ DAR NO QUE DEU!!!

    Isso é uma vergonha!!!!!

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