domingo, 18 de novembro de 2007

Ela reina, inabalável.

É impressionante como as pessoas têm uma necessidade irreversível de sentirem-se inseridas em algum grupo. Outro dia, um amigo questionou por que todos os médicos têm uma caligrafia indecifrável. Comecei com a minha filosofia de botequim, e disse que era pela necessidade deles sentirem-se parte de uma comunidade. Uma comunidade que implica práticas e códigos que precisam ser compartilhados pelos seus integrantes, e a caligrafia bizarra seria um dos requisitos básicos para o reconhecimento de um membro legítimo. Tão importante quanto ser médico é parecer médico. Logo, que espécie de receita seria escrita com uma letra apreciável? O médico tem o direito adquirido de dificultar a leitura do paciente, sem ser questionado!

Em relação à letra do médico, pensei em voz alta. Mas, naquilo que diz respeito às bebidas, estou convencido. A maioria das pessoas bebe para sentir-se inserida no grupo. É óbvio que alguns, de fato, apreciam o sabor da bebida. Aliás, outro dia teve um happy hour na casa de um professor, e lá tinha um vinho muito saboroso! Italiano. Meu professor sempre viaja para a Itália, nasceu lá, por isso sempre traz dessas bebidas. Com um vinho daqueles, qualquer um fica alegre sem nem perceber. Mas, salvo raríssimas exceções, as pessoas estão mesmo preocupadas com que os outros vão pensar.

Todo mundo, em alguma medida, liga para o que os outros pensam. Isso é comum. Mas, algumas práticas sociais já estão impregnadas nas nossas mentes. A cultura do álcool é um dos maiores exemplos. Seja para impressionar os pais (grupo familiar), seja para impressionar os amigos (grupo social), os jovens começam a beber para receberem aprovação de determinado grupo. A maioria dos meus amigos não considera cerveja saborosa (no começo, pelo menos). No entanto, em cada uma das nossas saídas, lá está a Skoll no centro da mesa, soberana, indispensável. Não existe perigo para dirigir, ressaca ou mal estar que ameace o reinado dela. Mesmo precisando fazer um esforcinho para suportar o gosto, bebe-se!

A bem da verdade, outro motivo torna, particularmente os homens, reféns da necessidade de beber: o álcool torna-os mais desinibidos. E isso, nas noites, é moeda valiosíssima! Nada como uns gorós, antes de chegar na mulherada. De qualquer forma, tudo é parte de um ritual imposto pelo grupo. E quem não bebe? Não participa do brinde, não faz parte da bagunça, não tem a aprovação dos demais, enfim, fica de fora do ritual. No Pará, costumam dizer: "quem não bebe ou não fuma, não f***!" Seria o supra-sumo da ditadura do álcool?

Se nós parássemos para perceber a quantidade de coisas que fazemos, só porque os outros fazem, ficaríamos impressionados. Geralmente é assim... Mais fácil reproduzir os comportamentos e opiniões dos outros, do que pensar criticamente por si. Bebida pode ajudar a animar o clima, algumas são muito saborosas (ah! Vinho italiano!), fazer um brinde não mata ninguém. Mas, se não gosta de cerveja, fica 'malzão' depois, precisa dirigir, não quer gastar ou tá a fim de uma noite mais tranqüila, por que bebe?! Cuidado para não passar do limite nesta necessidade da aprovação dos outros e para não se tornar dependente de um estímulo artificial para conseguir se divertir.

2 comentários:

  1. É verdade, as pessoas fazem do uso do álcool um motivo para se sentirem inseridas em determinados grupos. Também há pessoas que procuram o álcool para esquecer, apagar uma fato ou realidade que não lhe agrada. É a famosa "afogada das mágoas", que pode resultar em um vício perigoso. Há também os jovens que bebem porque o pai bebe. Ora, se o pai, exemplo, muitas vezes herói, dono das "verdades" e dos princípios bebe, qual o motivo que o filhe tem para não fazer o mesmo uso da bebida? Parece que a cerveja já se tornou algo cultural, como que um ritual de confraternização. Na sexta de noite, amigos reunidos. "Vamos sair?? Conversar, bater um papinho?"". É lógico que pode ser qualquer um o lugar escolhido para a saída, contanto que tenha cerveja ou alguma outra bebida à base de álcool. Uma coisa é a pessoa sair uma vez ou outra e beber, ficar "alegre", brincar e aproveitar o efeito da bebida para a diversão. Afinal, às vezes faz bem um pouco de inconsequência, do lado positivo, é claro. Isso se daria em uma situação em que a pessoa está entre amigos, verdadeiros amigos, com o parceiro, com a família, enfim. Creio que o uso da cerveja foi banalizado, distorcido. O uso seria para quem quer apreciar seu sabor, ficar um pouco tonto, ou seja, para o prazer ou necessidade individual. O problema é que esse uso é utilizado para se sentir mais forte, mais macho, para brigar, para "aparecer", ganhar notoriedade. E se os garotinhos de 14 anos bebem e fumam, é porque as garotinhas da mesma idade aceitam e acham o fato bonito e interessante, quando não fazem elas mesmas o uso, por vezes até mais exagerado. Fato esse que também é admirado pelos garotinhos. Idéias prontas como o "jeitinho brasileiro", a roda de samba, a alegria brasileira, nem sempre visualizados em todos os setores da sociedade, se diferenciam da cerveja, pois essa, apesar de ser cultural também, está inserida mesmo na realidade brasileira. De um jeito positivo ou negativo.

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  2. Oi meu querido não poderia me eximir em lhe parabenizar pelo brilhante texto, realmente os jovens começam a beber por esse contexto muito bem feito por vc!, jovem, mas com uma capacidade de observar e analisar a vida com a percepção madura de quem ja viveu muitas vidas. Parabéns sou tua fâ.

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