terça-feira, 17 de maio de 2011

Conivência ou Resistência: uma questão de atitude.

Ditadura gay. Heterofobia. Gays como classe ‘especial’ ou privilegiada.
Violação da liberdade de condenar. Censura ao ‘direito de ser contra’.

Às vezes, a simples forma como uma opinião começa a ser enunciada é suficiente pra revelar toda uma mentalidade. Que aspecto alguém opta por salientar, numa discussão complexa e múltipla, pode ser sintomático de toda uma postura. Eu acho, no mínimo, muito intrigante, por exemplo, este discurso que opta por denunciar uma possível inversão de quadro que levaria a uma ‘ditadura gay’, ou à ‘heterofobia’. Nas conversas informais, no twitter, em comunidades online, em caixas de comentários de blogs etc. vejo como as pessoas incomodam-se com o fato de gays, agora, serem um grupo ‘intocado’, protegido, com o qual ‘ninguém mexe’. Daqui a pouco vai ser motivo de vergonha homem se relacionar com mulher, teme-se. Em breve, vão impor a homossexualidade, a nós e a nossas crianças, especula-se.

Hoje, é praticamente garantida a presença de argumentos deste nível em debates sobre homossexualidade. É mesmo um ponto de vista intrigante. Especialmente, num país em que os homossexuais, para além de serem ‘mexidos’, discriminados de inúmeras formas, são MORTOS por ser quem são. Um país em que as formas de agressões, físicas e morais, são absolutamente disseminadas, cotidianas e bárbaras. Um país em que o jogador de vôlei foi hostilizado por um estádio inteiro por ser gay, o rapaz da paulista teve uma lâmpada estourada no rosto porque desconfiaram de sua masculinidade, a adolescente de Goiás foi assassinada por namorar a filha de um fazendeiro. Neste contexto, alguém estar mais preocupado com o movimento de proteção dos gays me diz o bastante.

Editorial da Folha de São Paulo de hoje defende que, numa sociedade civilizada e democrática as pessoas devem ter o direito de “se manifestar pacificamente contra homossexuais”. Será que as pessoas também deveriam ter o direito de se manifestar pacificamente contra negros? Contra mulheres? Contra nordestinos? Contra pobres? É muito fácil dizer que as pessoas podem manifestar seus preconceitos, quando todo mundo sabe quem serão os alvos destes preconceitos. E, certamente, não serão brancos, centro-sulistas, grandes empresários e banqueiros, ou heterossexuais. Recorrer ao grande guarda-chuva da liberdade de expressão, como forma de manter ataques morais, é muito cômodo para quem não será atingido por eles. Historicamente, e ainda hoje de forma explícita, os discursos “pacificamente contrários” voltam-se covardemente para aqueles grupos que sempre foram penalizados e excluídos.

Homossexuais precisam de uma legislação específica para proteger seus direitos, porque ninguém resolve de repente manifestar-se pacificamente contra héteros. A situação dos homossexuais em nosso país (sim, porque em várias nações já há muitos avanços) é estarrecedora. Carece de mais avanços, até mesmo, do que a situação dos negros ou das mulheres – que também são alijados em muitos aspectos. Não falo apenas da CNBB, das igrejas evangélicas, dos pastores e lideranças religiosas, que se organizam, pressionam o poder público, manifestam-se abertamente contra os gays, e trabalham para sabotar a igualdade civil e violar as liberdades humanas. Eu falo mesmo de uma consciência bastante popularizada, ainda, de que a homossexualidade é algo anormal, desviante, doentio. E isto acaba por sedimentar atos de repúdio, agressão, marginalização e restrição da cidadania de inúmeros brasileiros.

Tentar dar um basta a isto não significa conceder tratamento privilegiado, significa conceder tratamento diferenciado a quem é tratado de maneira diferenciada pela sociedade. E pouco importa que a maioria da população “seja contra” gays (pacificamente ou não). Não é possível ser conivente com a discriminação, não é possível subjugar uma minoria em nome da conveniência da maioria – e isto, sim, é verdadeiramente democrático. Nenhuma mentalidade, conservadora e dogmática, por mais disseminada ou majoritária que seja, pode diferenciar cidadãos com base em algo como preferência sexual e afetiva. Não em um Estado laico, democrático de direito. A profissão da fé, os valores individuais, os ódios cultivados, as contrariedades morais, as pessoas devem guardar para si, quando estão em jogo direitos fundamentais.

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