quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Crítica: Avatar

Peço licença para tratar neste texto de um assunto sobre o qual eu nunca escrevi neste blog: Cinema. E nem vou falar sobre o filme do Lula – que eu não vi, ainda. Mas, sobre Avatar. Um filme que me impressionou como poucos. O roteiro é meio Walt Disney, os diálogos são rasos, mas Avatar é aquele tipo de filme que consegue, em alguma medida, traduzir características da própria sociedade em que surge. O título do filme não podia ser mais apropriado. James Cameron brinca com a idéia do avatar em vários níveis. Em Pandora (planeta fictício do filme), um humano pode viver como um genuíno na'vi – espécie de humanóides. Nesta experiência, os humanos não perdem a ligação com seus corpos “principais”, apenas experimentam outra representação, um personagem, em outro universo. Homens também se vestem de robôs, quando os militares entram em complexos aparatos antropomórficos para ir ao combate. Os próprios na'vi ligam-se fisicamente as suas criaturas aladas, de maneira que ambos tornam-se um único ser. Cada uma destas relações dialógicas representa aproximação entre figuras historicamente separadas pela Modernidade: o civilizado e o primitivo, o orgânico e o inorgânico, o racional e o irracional.




Conceitos que posicionavam-se em relações binárias são submetidos a processos de simbiose, em Avatar. Nos dias de hoje, estamos cercados por processos similares. Na Internet, temos diversos avatares, por meio dos quais podemos vivenciar experiências e sensações modificadas pelo ambiente online. Temos a oportunidade de criar representações e explorar novos territórios. O personagem principal do filme descobre no povo na'vi um universo muito mais interessante do que tudo aquilo que já conhecia. Um cadeirante, cercado por limitações, de repente, renasce em um mundo fascinante e inteiramente a sua disposição. Jake Sully apodera-se de um corpo sintético, mas imprime sua própria personalidade, e percebe todos os movimentos e sensações daquele avatar como sendo seus. A experiência do personagem principal não é distante daquilo que praticamos com nossos avatares da web. Muitas vezes, somos mais atraídos pelas experiências online do que pelo que está ao nosso alcance, fisicamente.

As circunstâncias especiais do protagonista levam-no a uma situação que contrasta com a mentalidade humana que predomina no filme. Os homens de Avatar não compreendem e, na verdade, nutrem desprezo pelo povo nativo de Pandora. Ao mesmo tempo, aquela comunidade representa tudo que a Modernidade abomina: trocam o progresso, o desenvolvimento, a tecnologia e as comodidades, por uma vida rústica e uma relação de equilíbrio com a natureza - a verdadeira antítese do Paradigma Moderno, um “demônio” que precisa ser exorcizado pela racionalidade humana. Neste momento, a produção de James Cameron deixa de ser uma ficção, e guarda semelhanças precisas com a realidade. A lógica ocidental de confronto imediato com o desconhecido, a destruição sumária do que é diferente, é retratada no filme de maneira a estabelecer paralelos com diversos momentos da história da humanidade. E não precisa ir muito longe. Parker, o personagem responsável por comandar as ações dos humanos, praticamente biografa George W. Bush. O ímpeto imperialista americano está refletido em Avatar com fidelidade.

A principal nação do planeta, com o maior nível de desenvolvimento, a maior riqueza, o maior PIB, o maior poderio militar, a maior força geopolítica (em outras palavras, a que mais representa os mandamentos modernos) reagiria da mesma forma que os humanos do filme. Os baluartes da "racionalidade" seriam capazes de cometer os atos mais bárbaros, intolerantes e irracionais. Talvez, seja possível relativizar este perfil com um presidente democrata, como Obama. Entretanto, Obama acaba de dar uma prova muito eloqüente – na Conferencia sobre o Clima de Copenhage – de que um presidente americano, a despeito de orientações ideológicas, será sempre um presidente americano. Entre um compromisso genuíno com a mobilização para salvar o planeta e o compromisso com os valores desenvolvimentistas americanos, Obama ficou com o segundo. Em Copenhague, teve uma participação frustrante. Apesar disso, as pressões ambientais continuarão cada vez mais fortes. Este é o assunto mais discutido no mundo atualmente. Estamos vivendo exatamente o momento da falência do Paradigma Moderno.

A Ciência agora constata um processo de destruição do planeta, causado pela própria Ciência, pela lógica da acumulação e do progresso a qualquer custo. Representantes de todas as partes do mundo reúnem-se para tentar achar uma saída, se é que há. Os otimistas apontam saídas ousadas demais, quase impraticáveis. Os pessimistas vêem tudo como uma utopia, em que nenhuma das partes jamais cederá ou aceitará maiores sacrifícios. Na ficção de Cameron, a humanidade saiu derrotada. Venceram aqueles seres primitivos, que mantinham práticas obscuras, ritualísticas e cheias de simbolismos. Seres que prezavam por uma relação de harmonia e temor com os recursos naturalmente oferecidos - tudo que a razão desqualifica. Avatar reúne temas relevantes para a sociedade contemporânea e, de maneira lúdica e romântica, articula estas paratextualidades com competência. O filme de James Cameron, por um motivo ou outro, ainda será lembrado daqui 20 ou 30 anos. Para além dos méritos inquestionáveis de efeitos especiais e computação gráfica, penso que o filme merece reconhecimento por espelhar o momento histórico em que foi concebido.

6 comentários:

  1. Crápula,
    Gostei de visitar o teu espaço virtual, irei voltar mais vezes me tornei até assinante.
    visita o nosso blog:
    www.militanciaviva.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Olá, Seu Crápula (rssrs)!Bom dia!

    Gostaria de que, se possível, divulgasse o abaixo-assinado que a editoria do Terra Brasilis redigiu.

    Abs

    DiAfonso

    Link para o abaixo-assinado:http://profdiafonso.blogspot.com/2010/01/abaixo-assinado-afastamento-do-consul.html

    Peço desculpas por usar esta caixa de comentário para tratar do abaixo-assinado.

    ResponderExcluir
  3. Já ouvi muitos comentários sobre o filme e todos foram positivos. Pena que ainda não vi..

    =*

    ResponderExcluir
  4. Avatar não é um bom filme em termos de roteiro.

    Ele pode sim ter muitos aspectos a serem tratados, porém, nenhum deles é bem exploraado no roteiro, muito menos nos diálogos.

    Ao sair da sessão de cinema o expectador apenas sente tontura e fala "uau q filme bonito" e se o perguntarem sobre qualquer mensagem que o filme pode trazer a resposta será "preservação da natureza" ¬¬

    ResponderExcluir
  5. Legal, velho,

    a crítica ficou interessante, as articulações bem posicionadas. Na verdade, tem muito do filme que dialoga diretamente com o proprio imaginario da ficcao cientifica - entao, a mensagem eh esperada, as vezes. Eu particularmente, achei um tanto chatinho. Como voce disse, os dialogos são ruins e o filme é raso.

    ResponderExcluir
  6. Ainda não vi o filme, por isso nem li o post...hehehe. Mas vc já me convenceu, irei assim que possível..

    ResponderExcluir