quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A mídia nas eleições 2008

Eu imagino que seja muito difícil para os jornalistas fazer a cobertura de uma eleição. Ao falar dos candidatos, é obviamente importante que o jornalista não tome partido e possa informar o público de maneira isenta, sem vínculos com grupos políticos. É muito importante também sempre abrir espaço para os diferentes pontos de vista e não apenas reproduzir o discurso de algum candidato. Esses são preceitos básicos, não apenas do profissionalismo jornalístico, mas da própria Democracia. Os meios de comunicação precisam servir como fontes de informação independentes para os eleitores que ainda estão indecisos, e ao mesmo devem fazer com que eleitores de diferentes posicionamentos sintam-se dignamente representados. Tudo isso parece ser um consenso, mas nem sempre é possível observar na prática. Por um lado, é natural que um jornalista ou um comentarista político deixe transparecer suas preferências partidárias. Afinal, são seres humanos como qualquer um de nós, possuem suas opiniões e não podem abstrair-se delas. Por outro lado, muitos dos comentaristas políticos clássicos forçam a barra, tiram conclusões bizarras e não conseguem demonstrar razoavelmente o que estão afirmando. São exemplos deste último caso que eu procuro reunir neste texto.

Começo com exemplos nem tão graves, mas que revelam a quebra de um padrão. Considerando esta isenção especialmente necessária durante as eleições, é comum que a Imprensa especifique a autoria de determinada informação, ao invés de publicar como se fosse uma afirmativa do próprio jornalista. Por exemplo, dificilmente uma reportagem vai afirmar “Marta quebrou a prefeitura de São Paulo”. Uma reportagem fala: “Segundo Kassab, Marta quebrou a prefeitura de São Paulo”. E vice-versa: “Segundo Marta, Kassab recebeu a prefeitura com as contas em ordem”. Por mais que se trate de um assunto concreto – a situação fiscal de uma prefeitura – a Imprensa deixa explícita a autoria da afirmação, para respeitar as diferentes versões do mesmo fato. Isso faz parte da gramática jornalística. Em reportagem do dia 23.10, o UOL relata que manifestantes da Vila Formosa receberam o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com vaias e protestos, por causa de um CEU (Centro Educacional Unificado) que foi não foi entregue no prazo prometido. O texto refere-se a um “suposto atraso”, ou seja, não confirma se há de fato um atraso na obra ou não.

Sobre uma mulher que chamou o prefeito de mentiroso, a reportagem diz que ela “se identificou como dona-de-casa”. Novamente, a matéria não assume responsabilidade nem mesmo sobre a profissão da manifestante. Para não reproduzir as críticas da campanha de Marta Suplicy, a reportagem do UOL não afirma categoricamente se há atraso na obra, nem garante que a manifestante citada é de fato uma dona-de-casa, como a própria havia alegado. Entretanto, procedendo de maneira diferente, em matéria do dia 22.10, a Folha On Line (mesmo grupo do UOL) afirma – ela própria – que o atual prefeito de SP, Gilberto Kassab (DEM), ao pedir aos eleitores que não votem nele caso seja candidato em 2010, deu mais uma prova de que irá cumprir os quatro anos de mandato na prefeitura caso seja reeleito. O jornalista, sem transferir autoria, nas suas próprias palavras, afirma que o candidato deu uma prova (!!!) de que irá cumprir os 4 anos de mandato. Em primeiro lugar, é estranho que o jornalista simplesmente reproduza o discurso do DEM; depois, isso não é nenhuma prova, já que o próprio Serra em 2004 fez a mesma recomendação de que os eleitores poderiam não votar mais nele caso saísse da prefeitura, no entanto, em 2006 foi para o Governo do Estado.

Também verificamos imensa disparidade por parte da mídia na reação ao vídeo em que a campanha de Marta Suplicy questiona, dentre outras coisas, a vida pessoal de Kassab, perguntando se o eleitor sabe se ele é casado ou tem filhos. O número de reportagens, editoriais e comentários criticando a petista representaram uma verdadeira avalanche. Há quatro anos, o PSDB publicou em seu site uma nota falando em “Dona Marta e Seus Dois Maridos”, fazendo referência ao fato de Marta ter se separado do Eduardo Suplicy e se casado com Luis Favre. A mídia pouco comentou a atitude da campanha dos tucanos e, por muitas vezes, também invadiu a vida pessoal de Marta e seu novo marido. Tudo isso está ricamente demonstrado em uma postagem do blog O Biscoito Fino e a Massa. Eu sei que qualquer crítica à Imprensa, nestas circunstâncias, pode parecer uma defesa da campanha petista. É, realmente, uma linha tênue. O PT cometeu um ato abominável ao pautar a vida pessoal do adversário, promoveu um retrocesso no debate eleitoral. Isso é inquestionável, mas não posso deixar de registrar este episódio, que representa um dos maiores exemplos de partidarização da mídia já vistos.

Outra coisa que me incomoda bastante são as avaliações dos resultados das eleições 2008. É lugar comum entre os especialistas da mídia que Marta sofreu, mais que uma derrota eleitoral, uma derrota política. Porém, a versão é outra para Geraldo Alckmin, que era favorito absoluto para governar a capital paulista, já que Kassab começou a campanha com 8% das intenções de votos e Marta tem um teto muito claramente definido pela sua forte rejeição. Para a surpresa de todos, o tucano sequer chegou ao segundo turno. Entretanto, na análise de Dora Kramer, em editorial do Estado de São Paulo do dia 04.10, o tucano sai das eleições 2008 fortalecido, já que “se exibiu. De todo modo está na boca do povo”. Alckmin foi candidato à presidência há apenas 2 anos, contrapôs-se à uma administração que foi conquistada pelo seu próprio partido, e acabou sofrendo uma derrota retumbante! Mas, de todas as manifestações partidárias de profissionais da mídia, nenhuma foi tão acintosa quanto a de Alexandre Garcia no Jornal Hoje do dia 27.10. Outro lugar comum nas análises midiáticas sobre os resultados de 2008 é a conclusão de que José Serra foi um dos grandes vencedores (destaque de Lucia Hippolito em seu blog e de Gilberto Dimenstein em sua coluna, por exemplo).

Alexandre Garcia foi além, disse que “a oposição” ao Governo Lula sai fortalecida do pleito municipal, porque venceu em São Paulo. O comentarista disse ainda que essa eleição mostrou que o Presidente não transfere prestígio, citando exemplos de cidades em que Lula apoiou candidatos que saíram derrotados. Na realidade, tanto o DEM quanto o PSDB diminuíram a quantidade de prefeitura que administram, enquanto o PT ampliou. Certamente, São Paulo é a cidade mais importante do país, mas não é mais importante que centenas de outras cidades juntas! O Alexandre Garcia não menosprezou apenas o PT ou o PMDB, menosprezou principalmente as outras capitais e cidades. Os exemplos escolhidos pelo comentarista para medir a transferência de prestígio de Lula foram totalmente tendenciosos. Se Lula perdeu em várias cidades, ganhou em tantas outras. Além disso, praticamente NENHUM grande candidato este ano falou mal do Governo (nem mesmo Alckmin), o que confirma e realimenta a força do Presidente Lula. Alexandre ainda tenta confundir o eleitor ao misturar sucessão municipal com a presidencial, nas quais pesam questões totalmente diferentes. O mais irônico é que o comentarista conclui falando em “moralidade”. Simplesmente repulsivo!

3 comentários:

  1. Crápulamor, retribuo a visita.
    Em um dos textos que escrevi no blog, com foco no assunto "audiência",falo das "parcerias" da imprensa. Noticia é moeda e, ao mesmo tempo, o próprio produto.
    Abraço!

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  2. Gostei bastante principalmente do começo do texto que mostra o quanto são vazias as noticias que, principalmente, a mídia on-line coloca no ar. Muitas vezes clicamos em uma manchete e aparece uma notica de umas 5 linhas que não diz absolutamente nada.

    Esse modelo de cobertura e disputa eleitoral está absolutamente falido. Ao contrário do que os comentaristas geniais sempre dizem, o eleitor não está mais exigente ou esperto coisa nenhuma. Está cada vez mais influenciado pelo marketing tanto que o próprio Kassab admitiu que sua virada teve grande ajuda dos marqueteiros.

    Nos debates o que importa é aparecer como bom moço. Se for agressivo perde voto mesmo que essa agressividade esteja junto das mais absolutas verdades. Por sinal, verdade é o que menos se buscou nessa eleição. Assim como foi citado, as noticias falam de supostos atrasos, de supostas vaias, supostos manifestantes e nem ao menos se dispõe a informar, apenas repete o discurso já repetido e batido dos candidatos

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  3. Isso lembrou alguns trechos de Alice no País das Maravilhas, onde algo pode ser grande ou pequeno dependendo de como você o vê. Se é compreensível que o tamanho real (a imparcialidade) seja difícil de ser mostrado pela mídia, isso não justifica que alguns jornalistas sempre queiram mostrar fatos menores ou maiores que seus significados. Interpretações diferentes não significam manipulações.

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