Outro dia, visitando o formspring do Tulio Vianna, achei a seguinte pergunta: “Na sua opinião, qual a razão de tantos jovens no mundo contemporâneo, inclusive algumas celebridades como os Jonas Brothers, Hannah Montana e Kaká, revalorizarem e propagandearem a instituição do ‘casar-se virgem’?” O Tulio deu uma resposta que, com algumas ressalvas, eu achei brilhante: “É um backlash. As grandes conquistas de direitos vêm seguidas historicamente de reações conservadoras. A revolução sexual possibilitou uma grande autonomia dos corpos em relação a governos e religiões. É claro que muitos líderes políticos e religiosos ficaram incomodados com esta maior liberdade dos indivíduos e tentaram reverter estas conquistas por meio de lavagem cerebral. Muitos jovens acabam se deixando influenciar por toda esta ladainha conservadora...”. É de fato intrigante como, depois de décadas de avanços no que diz respeito a direitos, ainda haja espaço para referências tão conservadoras e moralistas. Mais intrigante ainda é o fato destas referências, freqüentemente, encontrarem abrigo entre jovens e adolescentes.
Fico bastante chocado com o ranço conservador no discurso de uma garotada que, muitas vezes, sequer atingiu a maioridade. Pois são capazes de tirar da tumba carcaças moralistas das mais odiosas. Era de se esperar que esta geração tivesse uma postura mais progressista, pois ela já nasceu em uma sociedade que marginaliza muito menos os negros, que não lida com a homossexualidade como o tabu de antigamente, que aceita mais a mulher como provedora e como profissional. Mas não é assim sempre. Às vezes é exatamente o contrário. Talvez, as gerações anteriores reconheçam a importância destes valores democráticos e tolerantes, justamente porque tiveram que lutar para construí-los. Para a geração mais recente, estas bandeiras esvaziaram-se de sentido. Talvez, estes adolescentes, quase crianças, não vejam mais necessidade de brigar por direitos civis. A inferência de que, na sociedade de hoje, dá no mesmo ser branco ou negro, homem ou mulher, hétero ou homossexual, está logo ali e é muito perigosa.
Não dá no mesmo! E é fundamental que esta nova geração esteja convencida disto. A questão do direito sobre o corpo e da revolução sexual é diferente da questão dos direitos das minorias. Mas, em ambos os casos, houve forte avanço progressista nas últimas décadas seguido de resistência moralista. É como se, na ausência de um inimigo comum (um dia já representado pelo dogmatismo religioso, ou pelo racismo, ou pela homofobia, ou pelo patriarcalismo, ou pela Ditadura), os adolescentes de hoje buscassem amparo nas mais variadas ideologias, incluindo as ultrapassadas e extremamente nocivas – que vão desde a instituição do casar-se virgem, passando pelo tratamento hierárquico dos gêneros, até ímpetos moralizantes e simpáticos a regimes ditatoriais na política. Eu mesmo já testemunhei vários jovens – pessoalmente ou em comunidades virtuais – nostálgicos da Ditadura Militar brasileira (pois “pelo menos era melhor do que estes políticos corruptos que estão aí”), ou ainda tomando por natural que o homem traia a mulher porque “o corpo masculino é feito para semear”, dentre outros absurdos do tipo, que supostamente estariam superados.
O verdadeiro movimento de idolatria para manter Marcelo Dourado no Big Brother Brasil 10 é a mais recente e intensa manifestação do ranço intolerante - novamente bastante comum entre adolescentes. 5 minutos na comunidade do Dourado é uma experiência! Lemos coisas do tipo “Dourado mestre”, “Dourado mito”, “Hail, Dourado”. Muitos espectadores - o próprio pai do Marcelo - entendem que a vítima na verdade é o lutador, que sofre com 'heterofobia'. Evidente que nem todos os torcedores do Dourado compartilham esta mentalidade. Mas tal adesão cega e inconcidional está sensivelmente relacionada ao fator intolerância sexual. Nesta análise, é fundamental considerar que vivemos sob a égide do politicamente correto. Com raríssimas exceções, ninguém declara abertamente um preconceito. Cada vez mais, este preconceito assumirá formas veladas e implícitas. Discriminação não é apenas ofender, demitir, agredir ou expulsar alguém de um recinto. Estas são apenas manifestações mais explícitas e extremadas, mas o preconceito também se dá em um plano simbólico, por meio de representações e discursos que subjugam um grupo historicamente desfavorecido.
Os discursos do orgulho hétero, da heterofobia, do orgulho branco, são exemplos clássicos. A condição heterossexual ou a cor de pele branca não precisam ser declaradas, nem causam sofrimento a ninguém. É para negros, gays, dentre outros grupos, que fazem sentido as ações afirmativas, a conquista de espaços historicamente negados, a luta pela recuperação da auto-estima. Se havia heterofobia na casa do Big Brother, porque nenhum dos outros participantes heterossexuais sofreu com ela? Por que o Dourado foi a única “vítima”? Defender as atitudes do Dourado, alegar que ele sofre de “heterofobia”, afirmar o "orgulho hétero" é o mesmo que usar aquela camisa do “orgulho branco”. É dizer que, apesar de todos os avanços das últimas décadas, a tolerância a estes grupos precisa “encontrar um limite”. É uma maneira de demonstrar incômodo com a presença cada vez mais forte de grupos previamente segregados no convívio social. É disfarçar o ranço do preconceito embaixo de várias camadas de discursos politicamente aceitáveis. A idolatria ao Marcelo Dourado é, em grande medida, o extravasamento de um sentimento que precisou conter-se nos últimos anos, mas que perdura e continuará predominante por muito tempo.
Fico bastante chocado com o ranço conservador no discurso de uma garotada que, muitas vezes, sequer atingiu a maioridade. Pois são capazes de tirar da tumba carcaças moralistas das mais odiosas. Era de se esperar que esta geração tivesse uma postura mais progressista, pois ela já nasceu em uma sociedade que marginaliza muito menos os negros, que não lida com a homossexualidade como o tabu de antigamente, que aceita mais a mulher como provedora e como profissional. Mas não é assim sempre. Às vezes é exatamente o contrário. Talvez, as gerações anteriores reconheçam a importância destes valores democráticos e tolerantes, justamente porque tiveram que lutar para construí-los. Para a geração mais recente, estas bandeiras esvaziaram-se de sentido. Talvez, estes adolescentes, quase crianças, não vejam mais necessidade de brigar por direitos civis. A inferência de que, na sociedade de hoje, dá no mesmo ser branco ou negro, homem ou mulher, hétero ou homossexual, está logo ali e é muito perigosa.
Não dá no mesmo! E é fundamental que esta nova geração esteja convencida disto. A questão do direito sobre o corpo e da revolução sexual é diferente da questão dos direitos das minorias. Mas, em ambos os casos, houve forte avanço progressista nas últimas décadas seguido de resistência moralista. É como se, na ausência de um inimigo comum (um dia já representado pelo dogmatismo religioso, ou pelo racismo, ou pela homofobia, ou pelo patriarcalismo, ou pela Ditadura), os adolescentes de hoje buscassem amparo nas mais variadas ideologias, incluindo as ultrapassadas e extremamente nocivas – que vão desde a instituição do casar-se virgem, passando pelo tratamento hierárquico dos gêneros, até ímpetos moralizantes e simpáticos a regimes ditatoriais na política. Eu mesmo já testemunhei vários jovens – pessoalmente ou em comunidades virtuais – nostálgicos da Ditadura Militar brasileira (pois “pelo menos era melhor do que estes políticos corruptos que estão aí”), ou ainda tomando por natural que o homem traia a mulher porque “o corpo masculino é feito para semear”, dentre outros absurdos do tipo, que supostamente estariam superados.
O verdadeiro movimento de idolatria para manter Marcelo Dourado no Big Brother Brasil 10 é a mais recente e intensa manifestação do ranço intolerante - novamente bastante comum entre adolescentes. 5 minutos na comunidade do Dourado é uma experiência! Lemos coisas do tipo “Dourado mestre”, “Dourado mito”, “Hail, Dourado”. Muitos espectadores - o próprio pai do Marcelo - entendem que a vítima na verdade é o lutador, que sofre com 'heterofobia'. Evidente que nem todos os torcedores do Dourado compartilham esta mentalidade. Mas tal adesão cega e inconcidional está sensivelmente relacionada ao fator intolerância sexual. Nesta análise, é fundamental considerar que vivemos sob a égide do politicamente correto. Com raríssimas exceções, ninguém declara abertamente um preconceito. Cada vez mais, este preconceito assumirá formas veladas e implícitas. Discriminação não é apenas ofender, demitir, agredir ou expulsar alguém de um recinto. Estas são apenas manifestações mais explícitas e extremadas, mas o preconceito também se dá em um plano simbólico, por meio de representações e discursos que subjugam um grupo historicamente desfavorecido.
Os discursos do orgulho hétero, da heterofobia, do orgulho branco, são exemplos clássicos. A condição heterossexual ou a cor de pele branca não precisam ser declaradas, nem causam sofrimento a ninguém. É para negros, gays, dentre outros grupos, que fazem sentido as ações afirmativas, a conquista de espaços historicamente negados, a luta pela recuperação da auto-estima. Se havia heterofobia na casa do Big Brother, porque nenhum dos outros participantes heterossexuais sofreu com ela? Por que o Dourado foi a única “vítima”? Defender as atitudes do Dourado, alegar que ele sofre de “heterofobia”, afirmar o "orgulho hétero" é o mesmo que usar aquela camisa do “orgulho branco”. É dizer que, apesar de todos os avanços das últimas décadas, a tolerância a estes grupos precisa “encontrar um limite”. É uma maneira de demonstrar incômodo com a presença cada vez mais forte de grupos previamente segregados no convívio social. É disfarçar o ranço do preconceito embaixo de várias camadas de discursos politicamente aceitáveis. A idolatria ao Marcelo Dourado é, em grande medida, o extravasamento de um sentimento que precisou conter-se nos últimos anos, mas que perdura e continuará predominante por muito tempo.
Texto brilhante.
ResponderExcluirÉ um fenômeno de idiotização em massa da juventude. Declarações como estas do Dourado em vez de invocar alguma reação de repúdio na molecada contra à Globo e sua programação, de reflexão sobre tolerância ou protesto contra discriminação, retoma todo um modo de pensar conservador e agessivo (camuflado pela bandeira da moral e bons costumes) contra aqueles que 'deveriam' ser varridos e banidos da sociedade.
O mesmo ocorreu no caso da expulsão da Geisy pela Uniban. Ouvi muitos comentários da molecada dizendo que a universidade estava certa, que a garota era uma vagabunda, que provocou, que ela não poderia ir para a aula com um vestido daqueles. Não há reflexão sobre direitos, conquistas, sobre nada. Um vazio mesmo (O Flávio Gomes escreveu um brilhante texto sobre esse caso: http://colunistas.ig.com.br/flaviogomes/2009/11/09/a-moca-a-saia-a-faculdade/).
Parece que há um saudosismo velado sobre o passado mais obscuro. É um tanto diferente dos argentinos, cujo dito famoso diz que 'Gardel cada día canta mejor', invocando um passado supostamente mais áureo. Com certeza, estes rompantes moralistas, intolerantes, antidemocráticos tem origens em nosso passado nada glorioso. Algo que essa molecada idiotizada de hoje nem faz idéia, pois não conhecem nossa história, as lutas, Brasil, América Latina, Gardel, nada.
Uma lástima.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirRuan você realmente estava inspirado, escreveu um belo texto, cheio de reflexões e embasamentos que o deixaram muito rico. Mais uma vez deixo claro minha admiração pelo seu talento com as palavras.
ResponderExcluirNAYANA Carneiro
O Pedro lembrou muito bem do caso da Geisy...acho que aquele fato foi um grande exemplo desse preconceito incubado que vc bem explicitou no texto...
ResponderExcluirParabéns