sábado, 14 de novembro de 2009

O apagão, a política e a mídia.

De todas as coberturas prejudiciais à imagem de Dilma, se a menor dúvida, esta sobre o apagão é a de maior poder de fogo. Nem Dossiê da Casa Cívil, nem Lina Vieira, nem currículo “falso”, causaram um prejuízo sequer próximo ao que pode ser causado pelo apagão. Pode-se dizer que o Governo vinha navegando em um verdadeiro mar de rosas. Um presidente extremamente popular, programas e realizações importantes e aprovados pela população, um prestígio internacional sem precedentes, tudo isso coroado com as conquistas dos dois eventos mundiais mais importantes: Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. O apagão significou uma turbulência no mar de rosas do Governo. Não acho que este incidente vá alterar a decisão de voto dos brasileiros, mas representa um percalço na trajetória petista pela presidência. Especialmente, por causa da extensão do blecaute. A depender de como o incidente será retratado na mídia, o percalço pode converter-se em uma mancha e ter reverberações sobre as eleições de 2010. E qual tem sido o enfoque predominante na mídia? Eis:



Claro que esta é apenas uma matéria, de um jornal. Mas é o jornal mais importante, e este discurso também está em outros telejornais, nos principais jornais impressos, nos principais sites de notícias etc. Há questionamentos que devem ser feitos sobre os mecanismos de proteção do nosso sistema elétrico? Sim, há. É verdade que a versão do Governo, de que o apagão foi causado por fatores meteorológicos, apresenta falhas e sugere vulnerabilidades? Sim, é verdade. Partir do pressuposto de que chuvas e raios podem deixar mais da metade do país sem luz é bastante preocupante, de fato. Dilma foi Ministra de Minas e Energia, trabalhou no modelo de gestão do Sistema Elétrico brasileiro, e afirmou pouco tempo atrás que tinha uma certeza: “de que não vai ter apagão”. E isto, é verdade? Sim, é tudo verdadeiro. Mas também é verdade que o Sistema Interligado, que pode ter permitido o alastramento do apagão por 18 estados, é considerado o mais adequado para o nosso país. No Brasil, enquanto o Nordeste enfrenta chuva, o Sul e o Sudeste podem passar por secas. Por isso, é importante que usinas hidrelétricas e termelétricas estejam conectadas por grandes linhas de transmissão.

Também é verdade que Dilma, quando disse que não teríamos apagões, estava se referindo aos investimentos que este Governo fez, como dezenas de quilômetros de linhas de transmissão, além da Hidrelétrica de Santo Antônio e a Usina de Jirau. Ao contrário da gestão anterior, que foi incompetente, não se planejou e de repente o Brasil consumia mais energia do que podia produzir (e olha que a Economia tinha um desempenho pífio). O resultado foi o racionamento de energia que os brasileiros tiveram que enfrentar. Concretamente, são duas situações muito diferentes. Entretanto, nada disto impediu Eliane Cantanêde, da Folha, de chegar à seguinte conclusão: “Uma das críticas que governo do PT sempre fez ao governo de Fernando Henrique Cardoso é sobre o apagão de 1999. Agora a gente tem apagão contra apagão, sendo que, neste caso, bate diretamente na candidata Dilma Rousseff”. Cantanhede foi tendenciosa na melhor das hipóteses, e sórdida na pior. Atribuir o apagão à imagem da Ministra Dilma tem evidentes e importantes implicações eleitorais.

Não vou dizer que as implicações eleitorais foram a motivação dos jornalistas, quando optaram pelo viés político na cobertura, mas eles têm perfeita consciência destas implicações. Esta politização do debate não é proibida. A declaração da Ministra de que não haveria apagão é noticiável, não há nada de errado com a veiculação em si deste fato. O primeiro problema é a reprodução e o reforço do discurso cascateiro da Oposição, em detrimento da melhor compreensão do episodio. É claro que há muitas questões pertinentes: Não havia formas de isolar a pane (fazer o chamado ilhamento)? Não teria como construir linhas reservas para estes casos? É possível, viável, custa muito caro? E o Governo não deve temer este debate. Ao contrário, encarar os questionamentos – que certamente continuarão – é a melhor saída. Nisto, o presidente Lula tem sido de uma inteligência ímpar. As declarações do presidente estão sendo no sentido de admitir possíveis falhas, buscar os aprimoramentos necessários, e informar sobre os avanços do setor elétrico nos últimos anos. Pena que nem todas as lideranças do Governo têm esta mesma sensibilidade e sensatez, diante da irritação e desconfiança da população.

O segundo problema da politização do debate é que ela só aparece quando compromete um campo político. Vejam por exemplo as matérias do mesmo JN sobre o acidente no Rodoanel, em que gigantescas vigas de concreto caíram sobre cidadãos. Por muito pouco, ninguém morreu. Absolutamente, não há viés político-eleitoral nas matérias. A cobertura se dá em um nível técnico, sóbrio. A Oposição – que norteou boa parte das matérias sobre o apagão – foi ignorada nas matérias sobre o acidente no Rodoanel. Uma obra que é tida como a menina dos olhos da gestão Serra, e que está prevista para ser entregue exatamente no período em que o Governador precisa de descompatibilizar do cargo para disputar a presidência. Também foi assim com a cratera no metrô, em 2007. Este tem sido um padrão: há cobertura com viés político-eleitoral, contra o Governo Federal, por qualquer Lina Vieira ou tapioca. Contra as administrações tucanas – de presidenciáveis, e nos estados mais importantes – coberturas técnicas. Qual foi a grande crise política que Serra ou Aécio tiveram de enfrentar? Quem conseguir citar uma ganha um presente...

2 comentários:

  1. Isso mesmo. O apagão da gestão anterior e o ocorrido recentemente são diferentes na sua origem: enquanto um foi resultado de um longo processo de má gestão e planejamento ruim, o outro foi causado por um incidente isolado (pelo que foi dito até agora). Claro que isso não livra o Governo de toda culpa, afinal o episódio revelou falhas que não deveriam existir. O que resta fazer é o mesmo que deve ser feito em outros casos: discutir e corrigir os problemas.

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  2. É muito triste ver essa cobertura da grande mídia. Há uma lógica louca de atacar a Dilma de qualquer modo.

    E o pior, no caso do apagão, é não saber se esse enfoque é tendencioso ou irresponsável. Confundir apagão com racionamento é inadmissível, não tem justificativa.

    Porém, sendo tendenciosa ou não, uma coisa é fato: a cobertura da grande mídia dá aulas regulares de como fazer um péssimo jornalismo.

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