domingo, 16 de janeiro de 2011

O significado da tragédia no Rio

No caso das tragédias na Região Serrana do Rio, parece que o problema não são certas áreas ocupadas por uma parcela da população que, sem alternativa, ocupa áreas de risco. O problema não é setorizado, é generalizado. A solução, portanto, não passa apenas por programas para reduzir o déficit habitacional, construção de conjuntos populares etc. Em Teresópolis e Nova Friburgo, por exemplo, seria preciso discutir as próprias existências das cidades ali. Nas palavras da presidente Dilma, moradia irregular no Brasil tem se tornado regra e não exceção. Re-ordenamento e planejamento urbano ganham aqui novos significados, muito mais complexos. Há bastante tempo, não é mais suficiente remover alguns moradores (via de regra, bastante humildes) de uma ou outra rua, é preciso modificar a forma como a nossa sociedade ocupa o território onde vivemos.

Esta catástrofe no Rio de Janeiro, que já se consolida como a maior da história do nosso país, tem causas diversas: segundo as matérias que estão sendo feitas, há um cruzamento infeliz de volume excepcional de chuvas, disposição geográfica agravante e, obviamente, ocupação irregular do solo. Porém, apesar das conhecidas intempéries naturais, é muito importante manter o foco na responsabilidade dos agentes públicos competentes (adjetivo que exala ironia em momentos como este). Encaminhar a compreensão deste episódio a partir de questões como o excesso de chuva, o aquecimento global, a rapidez e violência dos fenômenos naturais, ainda que procedentes, podem desvirtuar o debate principal que consiste na reconfiguração das formas como nos expandimos pelo território, algo que envolve toda a sociedade, é claro, mas que deve ser executado pelo poder público.

Vários especialistas apontam que um dos problemas centrais está na falta de articulação entre as diferentes esferas de Governo. Não há coerência entre as secretarias municipais, estaduais e os ministérios, o que gera ações dispersas e pouco eficientes. Uma concepção mais ampla para o problema é urgente. Ademais, muitas vezes há ciência dos problemas e até conhecimento técnico para agir, mas falta vontade política. O próprio CREA / RJ, dentre outras instituições, já vem fazendo estudos alertando sobre áreas de riscos, há décadas. E isto chega às mãos de vários agentes públicos. Porém, as secretarias responsáveis não têm ascendência sobre a administração, contam com pouco orçamento e acabam sem sucesso. É difícil um governante bancar alterações realmente profundas, cujos resultados só serão conhecidos no longo prazo e que não são político-eleitoralmente interessantes.

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Por fim, é preciso entender que tragédias naturais como estas ensejam outra discussão. Há muito tempo, o centro de todas as nossas explicações foi a religião, a fé. A Igreja era a instituição mais influente, e Deus a figura mais proeminente. O Paradigma Moderno alterou isto, e colocou o homem no centro de tudo. O sujeito moderno é senhor de si mesmo, medida de todas as coisas. Tudo mais deveria estar em função do homem, e de sua racionalidade. Os recursos naturais eram estoques, a serviço do desejo e da ambição dos homens, preocupados apenas com a exploração, a acumulação, o crescimento. Atualmente, este paradigma está em crise. A natureza não pode ser mero objeto da razão humana, não pode estar subjugada, nem é previsível para nós. Todos os nossos estudos sobre as chuvas só servem para gerar manchetes do tipo: “choveu em dois dias o que estava previsto para um mês inteiro” ou coisa que o valha. Precisamos abrir mão de nosso protagonismo narcisista e admitir que não somos o centro do planeta, devemos respeitar a natureza e aprender a conviver com ela.