sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mídia a sabor da militância: a relação de amor entre PSDB e Globo

Na disputa política, o simples fato de um dos lados amar a cobertura feito por um conjunto de veículos e o outro lado odiar esta mesma cobertura já não é altamente indicativo sobre a natureza desta cobertura? Vamos a dois episódios recentes que ilustram esta realidade. Primeiramente, o caso Paulo Preto. Na rodada de entrevista com os presidenciáveis que o Jornal Nacional fez neste segundo turno, William Bonner explicou que trataria ali dos temas mais relevantes na disputa, naquele momento. Não se ateria às propostas dos candidatos, necessidades prementes do povo, questões administrativas ou de gestão pública. Não. Nada disso. Abordaria “temas relevantes”. É uma categoria um tanto subjetiva, mas ok... É válido. Creio que dá mais audiência do que aspectos mais técnicos. Diante disto, para Dilma, Bonner perguntou sobre aborto, sobre a Erenice e sobre desavenças entre Ciro Gomes e o PMDB. Realmente, temas que tiveram grande visibilidade na campanha até aquele momento.

Já para Serra, dentre outras coisas, Bonner perguntou sobre Paulo Preto. O caso é certamente relevante, dadas a proximidade do engenheiro com tucanos poderosos, as importantes obras que chefiou nos governos tucanos em SP e as graves denúncias que pesam contra ele. Paulo Preto teria usurpado 4 milhões de reais que seriam destinados à campanha de Serra, como contribuição ilegal. A história foi veiculada no portal Terra, na Folha de São Paulo, na Record, é capa desta semana da Isto É, dentre outros veículos. Mas, sabem quantas reportagens os telejornais da Globo (e Globo News) fizeram sobre o caso? Zero. Absolutamente nenhuma. Sequer mencionaram Paulo Preto em sua cobertura. Como pode o maior jornal do país não fazer uma matéria sequer sobre um episódio que o próprio editor-chefe admite ser dos mais relevantes na eleição? O caso Erenice, eles exploraram exaustivamente, todos dos dias por várias semanas, causando considerável prejuízo à campanha da Dilma.


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Tem que mostrar mesmo o caso Erenice! É algo chocante, repugnante, que merece ser denunciado e cobrado de quem for responsável. Mas um trabalho jornalístico de fiscalização, vigilância, que é republicano e salutar, torna-se vil e baixo quando funciona apenas para u
m dos lados. A candidatura Serra é poupada dos estragos que seriam causados, caso os telejornais da Globo tivesses a mesma postura diante do PSDB. Que credibilidade resta a essa emissora? Como acreditar nas denúncias e na cobertura jornalística que faz a Globo? Isto seria bem menos grave se eu tivesse começado este blog hoje. Mas eu estou há 3 anos já alertando para exatamente este padrão que se repete na cobertura que os grandes veículos – Globo, Folha, Estadão, Veja etc. – fazem da política brasileira. Não apenas eu, né? Milhares de outros blogs espalhados por aí.

Ontem o Jornal Nacional fez um esforço homérico para restituir a Serra a posição de vítima de uma bolinha de papel. Ok, não se joga bolinha de papel, rolo de durex, nem balão com água em ninguém. E, de fato, o Presidente Lula se precipitou e falou mais do que devia. Mas não está totalmente comprovado que outro objeto atingiu Serra. Eu até acho muito improvável que Serra tenha encenado tudo, mas um Jornal não pode assumir como fato irrefutável algo que ainda é nebuloso, apenas para beneficiar uma candidatura. O vídeo que supostamente comprova que outro objeto – além da bolinha de papel – alveja Serra não mostra NADA! Mas a prioridade do JN é sempre mostrar os aspectos dos episódios que mais favorecem o PSDB. Tucanos e militantes, ontem, comemoraram efusivamente a matéria do JN. O que nos remete ao meu ponto inicial: sempre, um dos lados ama, idolatra, fica eufórico com a cobertura de alguns veículos; enquanto o outro lado está sempre inconformado com esta mesma cobertura, e precisa recorrer a veículos destoantes, que fazem algo de diferente. Por si, este retrato não é incrivelmente eloqüente sobre o nosso país?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Sobre o segundo turno e o terrorismo eleitoral

Já está bastante evidente a influência de temas morais nas eleições deste ano. Claro que outros fatores, como a utilização de escândalos contra a candidatura governista e a maior taxa de abstinência em regiões em que Dilma tem maior votação, contribuíram para o segundo turno. Mas está cada vez mais evidente o importante papel desempenhado pela boataria contra o PT, em função de temas como aborto e homossexualidade. Na grande imprensa, muitos comentaristas já escreveram sobre o assunto. Para José Roberto Toledo, do Estadão, a Internet foi o principal canal para as ações difamatórias. Mas mensagens de celular costumam ser bastante utilizadas neste tipo de estratégia. Houve também um panfleto anti-Dilma ligado à TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade) que chegou à cúpula tucana.

Certamente, esta movimentação de setores conservadores da sociedade brasileira ajudou a alavancar a candidatura Marina, jogando as eleições para o segundo turno. Na mesma proporção, está tirando votos de Dilma. O difícil é saber a dimensão deste movimento e que efeitos ainda pode surtir. Em outras palavras, ninguém tem como saber se Dilma já caiu tudo o que tinha de cair. A grande incógnita é em relação ao percentual de brasileiros que pode mudar o voto apenas com base em orientações de cunho religioso, ou priorizando este aspecto. De fato, muitos católicos e evangélicos, ainda que aprovem a candidatura governista do ponto de vista econômico e social, podem abandonar o PT se vierem a entender que Dilma trabalhará na presidência para descriminalizar a prática abortiva ou reconhecer a união civil entre gays.

Do ponto de vista dos direitos civis, o prejuízo é tremendo. Aquele campo político – efetivamente popular, liderado hoje pelo presidente Lula – que tinha compromisso com bandeiras progressistas terá de fazer inúmeras concessões e abandonar pontos de vista históricos, para manter as chances de continuar na presidência. Verifica-se que está despertando na sociedade os sentimentos mais obscuros, retrógrados e fundamentalistas. No Entre Aspas desta quinta-feira, um dos convidados relatou que freqüentou uma igreja evangélica em que o pastor discorreu longamente sobre os perigos que o PT representa. Ao final do culto, o pastor perguntou “Então, em quem vocês não vão votar?”. Os fiéis, erguendo os punhos em riste, gritavam: “Dilma! Dilma! Dilma!”. No vídeo abaixo, um padre da Rede Canção Nova estimula as pessoas a, não apenas votarem contra o PT, mas também a disseminaram esta mensagem.

Infelizmente, os grupos religiosos podem virar esta eleição. São extremamente articulados, coesos, e podem mudar sua opinião com muita facilidade. Basta a sinalização de uma liderança, a evocação de um “fundamento”, um dogma, aos quais devem obedecer, sem questionamentos, sem resistência. Dilma está no corner, encurralada, a pior posição para um candidato. O desafio é articular com lideranças religiosas para reverter o quadro e, infelizmente, conceder as garantias que forem necessárias, em nome de algo maior. Por outro lado, a candidatura governista precisa estabelecer outra agenda eleitoral, politizar a campanha, trazer mais temas para o debate, e fugir desta seara tão desfavorável. Os outros temas tendem a beneficiar o governo, nem todos os cristão serão levados pela onda difamatória, e Dilma terminou o primeiro turno a 3 pontos percentuais da vitória. Nem tudo está perdido. Agora, muito mais que em 2002, a esperança tem de vencer o medo.