sábado, 27 de junho de 2009

Crise no Senado (golpismo da mídia ou apuração da instituição?)

Acho que o mais complicado nesta Crise do Senado é fazer o cidadão comum entender que ela não está vinculada exatamente aos 81 senadores, mas a funcionários anônimos do alto escalão da Casa que, ao longo de 14 anos de gestão, praticaram atos condenáveis, inconstitucionais, totalmente abusivos e, em muitos casos, envolvendo de maneira flagrante desvio de dinheiro público. Agaciel Maia, ex-diretor geral do Senado, mantinha de maneira irregular uma mansão avaliada em R$ 5 milhões. João Carlos Zoghbi, outro ex-diretor dos mais poderosos, usou como laranja uma humilde senhora de mais de 80 anos, que foi sua babá e ama de leite, para se apropriar de verbas públicas. Agaciel e Zoghbi vivem em uma espécie de limbo, um lugar de transição, comandaram por vários anos a casa do povo, o símbolo maior da representação política; e ao mesmo tempo passam ao largo da decisão popular, não representam nenhum eleitor.

Além destes diretores corruptos, somam-se à Crise do Senado a farra das passagens aéreas, inúteis e incontáveis diretorias e, mais recentemente, os atos secretos. Este padrão administrativo tão distorcido não caiu de pára-quedas no nosso parlamento. Há uma aliança amplamente majoritária que comanda a mesa do Senado há mais de décadas. O presidente da Casa é do PMDB ou do DEM há pelo menos 20 anos. Foi esta aliança que, este ano, reconduziu Sarney à presidência. O PMDB é a primeira bancada mais numerosa, e o DEM é a segunda. Juntos, estes partidos têm mais de 30 senadores. Agaciel Maia foi nomeado diretor por José Sarney, em 1995; Zoghbi chegou ao comando da casa pela nomeação de Édson Lobão, que é aliado de primeira hora de Sarney. Ambos estes senadores são do PMDB do Maranhão. Hoje, o poderio desta aliança está ameaçado, pois pesam contra Sarney gravíssimas denúncias, envolvendo vários parentes e apadrinhados. Um verdadeiro aparelhamento do parlamento brasileiro.


Com mais de 50 anos de vida pública, é quase unânime que Sarney teve um papel importante no processo de redemocratização (uma espécie de redenção pela participação que teve na Ditadura). Entretanto, seu grupo político tem uma enorme dívida social com o estado do Maranhão. A cada dia, ganha força a pressão para que Sarney deixe a presidência do Senado. Este movimento não interessa a Lula, pois o atual vice-presidente da Casa é o senador Marconi Perillo, do PSDB. Em 2002, quando despontava como presidenciável, Roseana Sarney foi envolvida em uma investigação da Polícia Federal, que supostamente teve início para beneficiar a candidatura de José Serra. Ao final do processo, Roseana foi inocentada pelo Supremo Tribunal Federal. Desde este episódio, Sarney tem se aproximado de Lula e, hoje, é um dos potenciais articuladores da aliança nacional do PMDB com Dilma Rousseff. Há uma tese de que a Crise do Senado tem como objetivo desestabilizar o Governo e levar um tucano à presidência da Casa. Lula tem falado em “denuncismo”.

Acho válida a crítica do denuncismo, na medida em que nenhuma instituição sobrevive quando só mostram as suas mazelas. A mídia tem como praxe mostrar a política apenas pelo seu lado mais decrépito. Entretanto, as denúncias contra Sarney são robustas. Ainda que haja interesse político na condução do PSDB ao comando da casa, ainda que o Governo Federal perca com a troca, a situação de Sarney é insustentável. Sarney pertence ao grupo político que foi beneficiado e orquestrou este padrão administrativo que levou à Crise que vivemos. É preciso que outro grupo político chegue ao comando do parlamento, e era isso que representava a candidatura de Tião Viana, do PT, apoiada pelos tucanos. Hoje, chego à conclusão de que a vitória de Sarney foi o melhor desfecho. A Crise ganhou uma dimensão tão grande, que possivelmente as reformas que serão feitas no Senado serão ainda mais profundas que aquelas pretendidas por Tião. Daqui pra frente, nem todas as mamatas serão desfeitas, mas MUITAS já caíram por terras e não voltam mais. Quero crer que outras tantas estão por vir.

sábado, 20 de junho de 2009

Drops - Junho

Ainda sobre Fatos e Dados

Tem sido um deleite acompanhar o Blog Fatos e Dados, da Petrobras, e ver a grande mídia sendo sumariamente desmascarada, como uma charlatã de araque. Vejam vocês o post O mito dos 1.150 jornalistas. Por meio de um canal de comunicação oficial da maior empresa brasileira, a mídia é pega em flagrante, com as calças nas mãos. A postagem diz: “Nas últimas semanas, tem sido veiculado de forma equivocada por jornais, revistas, sites e blogs o número de 1.150 jornalistas que atuariam na Petrobras. É importante esclarecer que a Companhia conta com 209 jornalistas [...]”. Quer dizer, mesmo para uma informação simples, objetiva, facilmente apurável, a mídia precisa se prestar a este papel mesquinho, sujo, rasteiro, de distorcer a informação, para que a Petrobras seja retratada como perdulária. É claro que, nos últimos anos, muitos blogs já vinham denunciando contradições grosseiras como esta, mas a própria empresa fazer este trabalho tem um sabor todo especial. Especialmente quando a referência é a um conjunto de veículos (jornais, revistas, sites e blogs). Plural! Nenhum desses jornalistas teve a decência de apurar a informação correta?! Quantas outras informações distorcidas foram veiculadas, sobre outras empresas ou instituições com as quais eles não simpatizam? Em uma simples nota digital como esta, a Petrobras desmoraliza consideravelmente a grande mídia. Isto é uma vergonha!

O caso do menino Sean



Mulher brasileira viaja para os Estados Unidos, conhece americano e tem um filho com ele. Mulher desentende-se com o americano, viaja com o filho para o Brasil e simplesmente resolve que não vai mais voltar para os EUA. Pai americano fica sem filho. Mulher conhece segundo homem brasileiro, engravida novamente e morre no parto. Essa é resumidamente a história da vida de Sean Goldman, menino de 9 anos, que há 5 vive no Brasil. Hoje, Sean mora com o padrasto, os avós e a irmãzinha (por parte de mãe). Por um lado, não se pode escapar do fato de que a guarda desta criança deve pertencer ao americano, não por ser “pai biológico” do menino, mas por ser um homem íntegro, com condições emocionais e financeiras de oferecer ao filho a melhor das criações, e que – mais importante – ama e quer o seu filho de volta. Este pai não abriu mão da criança, foi a mãe que extirpou do americano o direito de conviver com o próprio filho. Por outro lado, o menino já deve estar totalmente habituado no Brasil, com fortes vínculos com o padrasto, avós, escola, amigos, lugares em que se diverte etc. A decisão da Justiça Federal do Rio de conceder a guarda do menino ao pai americano por 6 dias da semana, desde que seja exercida no Brasil, com finais de semana na casa do padrasto, parece bem razoável, considerando a delicadeza da questão. Qualquer decisão mais radical, para um lado ou para o outro, pode causar traumas irreversíveis na criança. Os advogados ainda vão recorrer muitas vezes, mas permitir a convivência de Sean com o pai, em território brasileiro, seria o ideal.

Futilidade, teu nome é Maitê Proença

Em uma das edições do Saia Justa, programa de GNT, Mônica Waldvogel colocou uma questão que, segundo ela, surgiu nas redações, sobre a peruca da Dilma: os jornalistas deveriam ou não mencionar que a Ministra está usando peruca? Maitê não se fez de rogada e teve o desplante de virar e responder (com estas palavras): “É claro que sim! Não dá pra não mencionar! Aquela peruca é uma aberração! [...] A Naomi Campbell usa uma peruca maravilhosa. Você acha que o cabelo é dela. [...] A mulher [...] vem com uma peruca que parece uma toca mal feita! Não dá pra não mencionar.” Na boa, aberração é essa Maitê Proença. Que mulherzinha desprezível! Ela já deu inúmeras demonstrações de que é anti-PT e simpatizante dos tucanos, mas um deboche como esse transgride qualquer bom senso. Tripudiar de uma pessoa que perdeu os cabelos por causa do tratamento de um câncer?! É o cumulo da babaquice. E a Mônica sabe perfeitamente que existem formas e formas de mencionar a peruca, como eu já escrevi aqui. O jornalista pode mencionar a queda de cabelos da Ministra, de maneira contextualizada, elegante até. Outra coisa é cirurgicamente extrair de uma longa fala da Ministra, exatamente a parte em que ela confessa estar usando uma peruquinha básica. Abaixo está o vídeo deste bloco do programa. Depois de discutirem sobre a menina Maísa, do Programa Silvio Santos, passaram para a peruca da Dilma (5’ 30”). A Márcia Tiburi, como sempre, colocando questões destoantes do grupo, pertinentes e sensatas.



sábado, 13 de junho de 2009

O monopólio da livre informação (o caso do blog da Petrobras)

Inominável, é parte da reação da Imprensa ao Blog Fatos e Dados, da Petrobras. Ao ver-se envolvida no lamaçal de uma CPI, a principal empresa da América Latina decidiu por criar um blog em que (segundo a própria empresa) serão apresentados “fatos e dados recentes da Petrobras e o posicionamento da empresa sobre as questões relativas à Comissão Parlamentar de Inquérito”. Não é positivo para a imagem de nenhuma empresa, instituição, partido ou figura política, ser o centro de uma investigação parlamentar, em que toda sorte de dúvidas, ilações e suspeitas serão ventiladas (com razoável repercussão na mídia, cabe acrescentar). Mas, sem entrar no mérito da criação da CPI em questão, esta é uma prerrogativa legitima do Congresso (especificamente, da oposição). Diante do fato consumado, a Petrobras optou por também abrir um espaço em que poderá expor as suas versões dos fatos. O que também me parece uma prerrogativa legitima! Mas, não foi assim que boa parte da Imprensa brasileira entendeu.

Na minha opinião, a Petrobras está demonstrando que, não apenas possui profissionais de Comunicação antenados com as novas tecnologias midiáticas, mas que também soube reagir rápida e estrategicamente à inadvertida instalação da CPI. Entretanto, para o Kennedy Alencar, da Folha, a decisão da Petrobras é “antiética e burra”. O articulista político argumenta, dentre outras coisas, que “a decisão da Petrobras quebra uma relação de confiança, digamos assim, necessária à liberdade de imprensa e ao direito de a empresa expor o contraditório”, e que não haveria necessidade para o blog, já que “existe uma Justiça no Brasil que tem sido cada vez mais rápida e dura com a imprensa na concessão de direitos de resposta e reparações materiais”. A Imprensa deve mesmo ser livre para publicar o que quiser! Caso o objeto da reportagem sinta-se prejudicado, pode de fato acionar a Justiça. Mas esta análise está equivocada sobre o Blog da Petrobras porque distorce em que consiste a própria mídia.

Na visão de Kennedy, parece que há, de um lado, uma Imprensa “do bem”, séria, profissional, que apura antes de publicar e concede a oportunidade do contraditório caso cometa equívocos; e, do outro lado, existiria uma Imprensa “do mal”, antiética, “cheia de estúpidos e imparcial” (para usar os termos do próprio Kennedy). Provavelmente há estes dois tipos de jornalistas mesmo! Mas absolutamente não é nisso que consiste a mídia, e não é isso que está em jogo no blog da Petrobras. O que me parece mal compreendido pelo editorial da Folha, e por vários outros veículos de comunicação, é que mesmo o mais sério, mais profissional, mais ético e democrático dos jornalistas produz SEMPRE uma VERSÃO dos fatos. Não há um jornalista bonzinho que traz a pura realidade, de maneira imparcial; e um jornalista mauzinho que traz a mentira, a realidade distorcida, de modo maquiavélico e ardiloso. Jornalista não é Deus para reproduzir o real, o que a mídia traz é UM ASPECTO do real (mesmo que seja de forma isenta e plural), mas este aspecto é necessariamente uma versão, uma interpretação, um enquadramento, um ângulo de abordagem dos fatos.

Aliás, o próprio Kennedy sugere em sua coluna que, apesar de haver parcialidade em alguns veículos, outros tantos são imparciais (ou seja, objetivos, neutros). Uma pessoa sem formação na área de comunicação dizer isso é compreensível, mesmo porque este é um clichê atribuído à mídia pelo senso comum, de que ela é “imparcial”. Mas, uma pessoa que, além de ter formação na área, trabalha em um dos principais jornais do país, valer-se deste tipo de lugar comum, é de matar! O Blog da Petrobras é importante porque permite à empresa publicar a sua versão dos fatos, enquadramentos e ângulos de abordagem que, eventualmente, não foram privilegiados nos veículos de comunicação com maior audiência. É simplesmente isso. A Petrobras deveria acionar a Justiça e processar um jornalista que teve uma interpretação diferente da sua?! Na lógica do Kennedy, seria isso. Mas não é o caso, não se trata de faltar com a verdade, mentir ou distorcer. Trata-se de divergência de interpretações.

O Jornal da Globo também fez matéria sobre o assunto, mostrou os dois lados da questão, mas o enquadramento principal foi negativo. Entretanto, o principal alvo da crítica do Jornal era a disposição do blog em publicar perguntas enviadas por jornalistas e as respostas da empresa, antes da publicação na mídia. Mas a Petrobras já voltou atrás neste ponto, o que eu achei mais adequado mesmo. O jornalista deve ter a prerrogativa de ser o primeiro a publicar o que está apurando. O jornal O Globo (impresso) foi mais longe, e tirou da cartola um “especialista em ética” (Ótima essa profissão, né?), professor da Unicamp, pra dizer que o Blog intimida o Congresso, intimida a Imprensa, e faz “terrorismo de Estado”. Vejam que esdrúxulo! Por que opiniões diferentes intimidam a Imprensa?! O que há pra ser intimidado?! O que um mísero blog pode fazer contra verdadeiras máquinas midiáticas?! O Globo foi pescar esse especialista pra dizer o que o jornal pensa. Pra alguns, a liberdade de expressão é propriedade da mídia! Não serve pra nenhum outro campo, instituição ou agente social! É um paradoxo grosseiro! Querem monopolizar a livre informação.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Príncipe da Xuxa pode ser negro

Vendo televisão de madrugada, fui surpreendido por uma inserção comercial da Xuxa, convidando os telespectadores a participarem da eleição do Príncipe para o seu novo filme. Depois da loira, apareceram os candidatos a Príncipe com seus respectivos números: o primeiro – branco, loiro, dos olhos verdes; o segundo – branco, loiro dos olhos verdes. Quando eu já levava a mão à testa com alguma violência, aparece o terceiro candidato que, para o meu alívio e surpresa, é um menino negro. Eu, que estava com o notebook na minha frente (para variar), parti pro site para votar no Heslander, menino carioca de 16 anos. No site, também pude ver que outros dois rapazes, já eliminados, que formaram o Top 05 da disputa, eram (adivinhem!) brancos, loiros, dos olhos verdes. Alguém pode, com razão, perguntar: porque torcer por um dos candidatos exclusivamente pelo fato de ele ser negro? Não deve vencer quem tiver mais méritos para representar o papel do Príncipe, independentemente da raça?


No site também há vídeos dos garotos fazendo testes, encenando algumas situações, dando uma palinha das suas habilidades cênicas, ou seja, há algum critério técnico e meritocrático. De qualquer forma, vencerá o preferido do público, já que a decisão está nas mãos da audiência. Eu mesmo me pergunto até que ponto é justo votar em um candidato somente por ele ser negro. Não é a raça de uma pessoa que determina se ela é ou não merecedora do que quer que seja! Mas aí me vem outra pergunta: se questões raciais não pesam em escolhas como estas, por que em praticamente todos os casos de personagens deste tipo (arquétipos de beleza, altivez e nobreza) os atores são brancos? Com freqüência, brancos loiros dos olhos verdes. As próprias principais apresentadoras dos programas infantis, tão populares nas décadas de 80 / 90, são majoritariamente brancas e loiras. Xuxa, Angélica, Eliana. Mara tem cabelos negros, mas também é branca. Qual negra poderia ser colocada neste grupo?

Não precisa ficar só no universo infantil, não. Nas novelas e nos telejornais, quais são os negros que se destacam? Taís Araújo já protagonizou novelas, Heraldo Pereira já apresentou o Jornal Nacional. Um ou outro. Mas, pô, metade da população deste país é negra! É evidente que há um componente racial neste processo. A idéia não é agora fazer um preconceito às avessas e preterir brancos, isto não resolveria. Mas há uma importância simbólica na escolha de um negro pra o papel de um Príncipe. Você já parou pra se perguntar como as crianças negras se sentem quando assistiam aos filmes da Xuxa (ou qualquer outro infantil) e sempre vêem como representante legítimo de beleza alguém com aparência totalmente diferente? O que elas se perguntam? O que elas pensam? A que conclusões elas chegam? Ainda que não seja um questionamento explícito, fica subentendido que negros não podem ser considerados belos, nobres ou “Príncipes”.


Isto também vale para os jovens e adultos negros quando vêem novelas e telejornais. Eles estão subrepresentados (ou sem representação nenhuma) não apenas nas artes e nas narrativas, mas em todas as atividades e cargos mais importantes, que exigem formação superior e remuneram mais. Uma das várias importâncias do sistema de cotas é esta: ao abrir as portas das universidades, as cotas abrem espaço para os negros em todas as profissões. O filme da Xuxa pode não reverter toda esta realidade. Mas, pelo menos, as crianças negras que sempre foram rejeitadas neste universo lúdico poderão se reconhecer como Príncipes e Princesas. Poderão sonhar! O que pode ser mais importante para uma criança do que sonhar? Este sonho foi negado a milhões de crianças Brasil a fora. A idéia não é garantir “cotas” para negros em filmes ou na mídia de maneira geral, e provavelmente o filme da Xuxa faz isso apenas para posar de “politicamente correto”. Mas, a possibilidade é real, e seria bom se um espaço como a mídia, que detém visibilidade social, começasse a ficar menos racista.