terça-feira, 31 de março de 2009

Pesos e medidas (a convergência mídia / oposição)

O profissional da mídia que trabalha com política com freqüência defende um lema: jamais ser chapa branca! Isso significa basicamente que este profissional terá um posicionamento crítico em relação ao governo. A idéia é não permitir que os veículos de comunicação sejam apenas reprodutores dos discursos oficiais e sempre estimular uma visão crítica na audiência. Este lema tornaria natural a oposição praticada por jornalistas e justificaria boa parte das críticas da mídia ao governo Lula. Mas vamos examinar como este lema funciona na prática em dois casos recentes:

Economia: precaução x terrorismo

Na abertura do Jornal da Globo do dia 18 de março, o apresentador William Wack anunciou o pacote de Obama que vai injetar 1 trilhão na economia americana. Depois da informação, William acrescentou um comentário: “o problema é que a história está cheia de exemplos de pacotes que não deram certo...” Será papel da Imprensa estimular pessimismo diante da crise internacional? Será que o jornalista – para não cometer o erro de reproduzir o discurso otimista do governo – deve partir para o exato oposto e pregar terrorismo? Imagino que não. Especialmente com pura especulação e achismo. Baseado em que dados, análises, estatísticas, William Wack parte do pressuposto de que o plano americano vai dar errado? Ora, a história também não tem exemplos de intervenções governamentais na Economia que deram certo? Pois muitos dos próprios jornalistas, desde a eclosão da crise, não vivem mencionando o PROER, plano econômico elaborado por FHC durante seu Governo, como exemplo de plano bem sucedido?! Com elogios rasgados, eufóricos, praticamente uma tietagem ao tucano! A Miriam Leitão, por exemplo, já vi várias vezes. E aí? Onde fica a prática de oposição e fiscalização do Governo? Diante do PSDB, tudo bem ser chapa Branca? No que diz respeito à economia, penso que a mídia deveria manter-se honesta aos fatos. O terrorismo é irresponsável e só contamina o ambiente com desconfiança, travando os investimentos, a produtividade e a geração de empregos, o que interesse apenas a segmentos da oposição partidária.

Camargo Correa: denuncismo x precaução

Nas suas versões impressas, tanto Folha quanto O Estado de SP, em muitas matérias sobre o escândalo da Carmago Corrêa, deixaram de citar os partidos e os políticos que receberam dinheiro da construtora. O comentarista político de O Globo, Ruy Fabiano, entende que “supor que o que foi exposto – o repasse pela Camargo Correa de recursos a partidos – é prática apenas daquela empreiteira e beneficiou somente os que foram citados é desconhecer a abrangência da questão”, ou seja, não devemos focar nos envolvidos neste escândalo, mas discutir a questão maior. Já para Élio Gaspari, da Folha, “a Polícia Federal não toma jeito. Uma compulsão exibicionista associada à obsessão para incriminar suspeitos acaba desmoralizando suas ações. Durante os trabalhos de busca e apreensão de provas contra os diretores da empreiteira Camargo Corrêa, a PF fotografou e divulgou oficialmente (repetindo, oficialmente) uma mesa onde se exibiam objetos encontrados na casa de um deles”, ou seja, um desvio de foco: críticas não aos investigados, mas a quem denuncia. Tudo que a mídia não fez na época do Mensalão, em que, antes de qualquer investigação, a denúncia de um deputado federal, que estava envolvido em casos de corrupção nos Correios, foi suficiente para garantir manchetes e várias reportagens em tom de acusação. O PSDB e o DEM não têm governos? Não têm políticos exercendo mandato? Não merecem ser responsabilizados e cobrados com a mesma veemência no caso da mega construtora? Onde está a fiscalização nestes jornais?

Em ambos os casos, o repúdio à chapa branca, a postura combativa dos jornalistas, ficam bastante comprometidas, só aparecem quando convém. Para ações do Governo Lula, sempre o destaque vai para as críticas, nunca para os benefícios que serão gerados. Entretanto, o Governo do José Serra foi abertamente elogiado pelo Jornal Nacional, no último dia 27, e pela Folha, em coluna de opinião, pelo bônus dados a professores com melhor desempenho em sala de aula. Nenhum contraponto, nenhuma crítica às falhas na Educação de SP. Pura vitrine para o tucano.
Ora, isso não pode ser considerado ‘chapa branca’? Penso que o jornalista pode elogiar um governo quando achar que deve. Mas e a lógica da ênfase nas críticas? E o contraditório indispensável? Não é este o procedimento diante do outro partido? Os posicionamentos dos grandes veículos de comunicação diante dos partidos não é nada equilibrado, e isto está cada vez mais fácil de demonstrar.

terça-feira, 24 de março de 2009

Drops - Março

O estranho no ninho

Há poucas semanas, falei que Reinaldo Azevedo é mentor e algoz da mídia. Pois bem, no episódio em que o Bispo de Olinda anunciou a excomunhão da equipe médica que fez o aborto da menina de 9 anos, estuprada pelo padrasto, Azevedo precisou exercer a segunda função. Eu já imaginava que o articulista da Veja iria defender a excomunhão e o Bispo. Não costumo visitar o blog do Reinaldo, mas precisava ler o texto sobre este assunto, e acertei em boa medida! Ele contemporizou em relação à excomunhão, não criticou, mas também não defendeu, limitou-se a dizer que “não foi o Bispo!”, pois a excomunhão é “automática” para casos de aborto. Mas, partiu, de fato, para a defesa do religioso. Um papelão grotesco! E mais: partiu para o ataque à Imprensa. Vejam vocês! Um texto repleto de sentimentalismo, quase poético. Entretanto (ou por isso mesmo) singularmente duro com o jornalismo. Se pelo menos servisse para os jornalistas terem menos apreço pela visão de extrema direita do Reinaldo... Nem isso. Confesso, desta vez foi um deleite ler um blog para o qual eu geralmente não tenho estômago.

Alvo preferencial

Este mês o Blog da Dilma Rousseff presidente foi matéria em vários jornais, revistas, rádios e até na TV a cabo. Uma verdadeira avalanche de notícias e menções ao Blog na mídia. Mas, o espaço já existia há meses. Não entendo a coincidência de tantos jornais darem conta da existência do Blog só agora, e ao mesmo tempo... Enfim. Só para citar alguns exemplos, teve matéria na Veja, na Isto É, no Estadão, menção do comentarista político da Globo News, na CBN, vários jornais locais etc. Melhor pro Blog, não é? Foi uma bela divulgação! O problema foi o enfoque dado por muitas dessas matérias. Não todas! Mas muitas... O Estadão, por exemplo, deu o seguinte título para a matéria: “Blog da Dilma dribla TSE e antecipa corrida para 2010 na web”. Aquela coisa: os petistas espertos estão driblando a Justiça. Mas, vem cá, e o blog do Serra ? Sim, porque o presidenciável tucano também tem! E é ativo, atualizado! O blog da Dilma não é oficial, não tem ligação com o Planalto, nem com o PT, é uma livre manifestação de indivíduos. Internet é isso, é democratização dos espaços, seria absurdo querer censurar ou controlar uma mídia como esta. Mas, pro Estadão, só o blog da Dilma “dribla a Justiça”.

Os critérios dos entendidos

Para José Nêumanne Pinto, do Jornal do SBT, Serra deu um grande exemplo este mês ao demitir um investigador de polícia que é investigado em processo administrativo. Depois de inúmeros escândalos, caiu também o Secretário de Segurança de SP. Para o comentarista político, o exemplo deveria ser seguido por prefeituras e pelo Governo Federal, para que não sejam mais mantidos nos cargos autoridades que estão sob suspeita (uma alfinetada no Lula, que tem a fama de “passar a mão” na cabeça dos aliados, hum?). Nêumanne Pinto já esqueceu o que o Governo tucano representou para a transparência na vida pública brasileira, esqueceu que durante todos os oito anos de Governo, o PSDB manteve no cargo de Procurador Geral da República o General Brindeiro, mais conhecido como “Engavetador Geral da República”, escolhido quatro vezes por FHC, devido a sua apatia e conformismo. Quando começou o Governo do PT (esse que deve aprender com Serra), o Procurador conduzido ao cargo foi o escolhido pela categoria, rompendo com uma tradição de obscurantismo na presidência. Nêumanne Pinto esquece que o Governo tucano em São Paulo torna-se um verdadeiro rolo compressor ante qualquer iniciativa de investigação no legislativo. Mas, para o especialista, os políticos devem mirar-se é no exemplo dos tucanos...

Novas Pesquisas

Novas pesquisas sobre sucessão presidencial mostraram popularidade do presidente menor e Dilma crescendo, devagar e sempre. Bom, naturalmente, a popularidade de Lula tende a cair em função da crise. Tanto que é temeroso discutir sucessão presidencial sem conhecer a real dimensão desta crise, e os prejuízos que ela pode causar ao Brasil. Se ainda estivermos em maus lençóis em 2010, as chances de Dilma serão drasticamente reduzidas. Em compensação, se o mundo já estiver esboçando recuperação no próximo ano, não deveremos subestimar a candidatura apoiada por Lula. Principalmente porque os números apresentados por Dilma são mais impressionantes do que podem parecer. A Ministra tem 11% no geral, segundo o Datafolha, mas sua situação melhora conforme o nível de escolaridade dos entrevistados aumenta, chega a 18% entre os brasileiros de nível superior. E aí está o grande trunfo de Dilma, porque a grande arma de Lula são os brasileiros dos estratos mais baixos. Nas camadas mais populares, o presidente terá grande facilidade em apresentar sua candidata. Se, quando isso acontecer, Dilma já tiver penetração entre os brasileiros mais escolarizados, a diferença para o tucano pode cair rapidamente.

sábado, 14 de março de 2009

Fizeram o tal corruptômetro

Conheço gente que afirma com orgulho jamais votar no PT. E não pense que são apenas pessoas de classe média alta (em que predomina um “anti-petismo” quase imanente), são também pessoas humildes, de menor renda, moradores de bairros carentes da presença do poder público, mas que demonstram forte rejeição ao Partido dos Trabalhadores. Podem perfeitamente votar no PSDB ou no DEM, possivelmente sequer notariam os partidos nestes casos. Muitas vezes, não estão muito a par dos acontecimentos políticos, nem têm grande interesse. Mas de uma coisa sabem com certeza: votar em candidatos do PT, jamais! Este fenômeno é facilmente constatado. Em qualquer rodada de conversas sobre política, é freqüente surgir uma, ou até mais pessoas, com um ferrenho anti-petismo. Podem não ter um partido de preferência, mas sabem perfeitamente qual deles condenar. Em que pese o fato de o partido ter construído, historicamente, uma militância aguerrida, como nenhum outro partido possui, o que pode compensar esta forte rejeição.

Também é possível afirmar com tranqüilidade que é comum o PT aparecer na grande mídia, envolvido em alguma denúncia de corrupção. E aí, para exercer a autocrítica referida no último post, vamos citar exemplos concretos. O mais emblemático deles foi o mensalão, escândalo político como poucos na história da democracia brasileira. E ainda hoje, isso acontece de maneira corriqueira. Como o enquadramento negativo e as críticas que o PT recebeu no caso do Castelo (ainda que a propriedade fosse de um deputado do DEM). Não vou entrar nos méritos dos casos, nem pretendo inocentar os petistas de toda e qualquer culpa. Também não tenho pesquisas técnicas que demonstrem que o PT é mais criticado, tenho apenas os exemplos deste blog, de tantos outros blogs, e de livros como “A mídia nas eleições 2006” que demonstra (inclusive com estudos estatísticos e análises de casos) que o PT foi mais atacado que os adversários no período eleitoral de 2006.

Relacionar uma coisa à outra, ou seja, afirmar que a rejeição ao PT é "causada" por um discurso da mídia evoca uma relação de causa e efeito um tanto reducionista. Há outros fatores, processos, interesses e predisposições em jogo. Fato é que há, para muitos, uma sensação de que o PT é o mais corrupto dos partidos, ou de que o Governo Lula é o mais corrupto da nossa história recente. Políticos (de oposição), e mesmo personalidades aparentemente sem filiação partidária, já afirmaram isto com toda a segurança, como se fosse a maior das obviedades! Bom, para mim, não é tão óbvio. Primeiro porque ainda não vi nenhum estudo profundo, técnico ou objetivo, que fizesse um levantamento estatístico dos processos judiciais, condenações, cassações e afins, de uma boa amostra dos políticos, que tornasse possível afirmar que este ou aquele partido é “o mais corrupto”. Depois, a percepção majoritária que veículos de comunicação exibem sobre um acontecimento não necessariamente reproduz com fidelidade este acontecimento, especialmente quando há interesses políticos no meio.

É como se as pessoas se referissem a um "corruptômetro" que não existe. Mas aí que está! Achei um! Se não é corruptômetro, é qualquer coisa próxima. A ONG Transparência Brasil realizou um levantamento das ocorrências nas segundas instâncias das Justiças estaduais e nos Tribunais de Contas em que parlamentares são réus. Dentre os maiores partidos, temos a seguinte ordem: o:
PTB lidera com 35% dos seus parlamentares listados, PMDB na segunda colocação com 32%, o PSDB o vem em seguida com 30%, o PP tem 28%, o DEM tem 26%, PDT e PSB (do Bloco de Esquerda) estão com 24% cada, e o PT tem 19%. Quando vemos a lista de cassações desde 2000, selecionando os mesmos partidos, temos: o DEM na liderança com 69 cassações, o PMDB é o vice com 66, o PSDB fica novamente em terceiro com 58, o PP tem 26, o PTB tem 24 e o PDT tem 23, aqui também o PT é um dos últimos com 10 cassações, o PSB tem 7. Que irônico! Na verdade, acho que não dá pra medir “honestidade de partido”. Mas se fossem fazer um corruptômetro, o PT não estaria tão mal quanto parece...

terça-feira, 10 de março de 2009

Uma autocrítica (o que é mídia?).

Bom, se cada um de nós aqui ganhasse um real por cada vez que lêssemos a palavra “mídia” neste blog, já teríamos um bom pé de meia, não é verdade? Arrisco que daria um belo trocado. Isto vale para tantos outros blogs espalhados pela Rede, que se dedicam (aliás, muito mais do que eu) a revelar as contradições e as distorções provocadas pela “mídia”. Tarefa em que eu acredito, considero extremamente relevante e pretendo levar adiante até quando achar necessário. Entretanto, a esta altura do campeonato, acho oportuno fazer uma reflexão crítica sobre esta proposta, para reconhecer possíveis falhas e aprimorar os argumentos utilizados. Para tanto, é preciso entender melhor do que se trata a tal “mídia” tão recorrente nos blogs como este. O que é mídia? Qual crítica vem sendo feita a própria? Do ponto de vista acadêmico, em que medida esta crítica é válida?

Bom, para início de conversa, do ponto de vista científico, qualquer proposta que vá no sentido de demonstrar que “a mídia” conspira contra determinado Governo ou partido e manipula audiências, estará condenada ao descrédito. Há muito tempo, qualquer pesquisa da área vem demonstrar que os meios de comunicação geram efeitos sobre a audiência, mas estes efeitos já não podem mais ser vistos como “manipulação”. As Teorias da Comunicação são inúmeras, geralmente não há consenso entre elas, as origens e as abordagens são plurais, mas já não existe mais espaço para análises que entendam a relação entre a audiência e os meios de comunicação como algo mecânico, em que o espectador é vítima e não tem defesa para as investidas da mídia. Os processos comunicativos são compostos por dois pólos, o da emissão e o da recepção da mensagem. Ainda que estes pólos não estejam em condições de igualdade, a produção de sentido para qualquer mensagem midiática pertence a ambos.

Além disso, se avaliarmos com rigor, o termo “mídia” é uma abstração. Outro pressuposto básico para a pesquisa em Comunicação é partir do princípio de que “mídia” refere-se a um campo extremamente diversificado, heterogêneo, composto por inúmeros veículos, meios, atores sociais e instituições, com os mais variados interesses, objetivos e visões de mundo. Portanto, “a mídia” não é e nem deixa de ser, não faz e nem deixa de fazer nada, porque “a mídia” não é uma coisa só. Há várias vozes e há divergência naquilo que se entender por mídia. Se quisermos amadurecer esta discussão, inclusive para termos credibilidade nas nossas críticas, precisamos ter muita clareza a respeito destes aspectos. Infelizmente, é comum vermos blogs, ou mesmo figuras públicas, recorrendo a este tipo de estereótipo da mídia como bicho de sete cabeças que tudo pode. Neste blog mesmo, em algum momento, é possível que eu tenha deixado passar algo assim ou recorrido a esta idéia, extremamente equivocada.

Feitos os esclarecimentos e as autocríticas, eu particularmente considero que é possível, sim, usar a palavra mídia. Qualquer espectador pode, por exemplo, fazer uma crítica ao Jornal Nacional e chamá-lo de mídia (o que de fato é!) DESDE QUE entenda que toda crítica precisa ser específica e que “mídia” é um conjunto, complexo e diversificado. É preciso entender também que muitas vezes usa-se o termo “mídia” para fazer referência aos principais veículos de comunicação de massa, como Globo, Folha, Estadão, Veja etc. Acho coerente este uso do termo. É lógico, sempre dependerá de como a idéia é desenvolvida e dos exemplos que são dados. Entretanto, ainda que, para determinadas pautas, haja espantosa convergência entre os jornalistas, como tantas que eu mesmo já demonstrei aqui (e não retiro uma única vírgula), precisamos entender que convergência não é unanimidade, e que a maioria não é a totalidade.

Ainda que algumas vozes tenham grande repercussão entre os jornalistas, e ainda que haja troca de influências entre profissionais da área (e há!), este raio de influência evidentemente encontrará seus limites em algum momento. Portanto, cada pauta é uma pauta, cada momento é um momento, cada caso é um caso. Se vocês acharem que algo não ficou claro ou soou incoerente, por favor, registrem nos comentários. É realmente um tema sutil com muitas nuances, que nem sempre são identificadas com clareza. O importante é avançarmos nestas reflexões, trocando impressões e pontos de vista. A finalidade deste texto é esclarecer certos aspectos, para não gerar ou estimular compreensões que são equivocadas e precisam ser combatidas. Ainda que os leitores deste blog já soubessem disso tudo, achei mais responsável fazer um registro definitivo.